Foi muito bom haverdes me
convidado para falar em vossa reunião e vou faze-lo esta tarde tratando daquilo
que tem ocupado as vossas mentes durante os três dias últimos — o serviço.
Deixarei ao vosso julgamento o decidirdes se sou místico ou ocultista, porque
as palavras tendem a confundir a mente e o fazer distinções é odioso, conduz a
juízos errôneos e separa uma pessoa da outra. Para mim, não há nem ocultistas
nem místicos, porque todos são a mesma coisa, quer se achem fisicamente no
criar coisas ao redor deles, quer apenas mental e emocionalmente ativos, ou
ainda quer se retirem do mundo e sonhem e creiam por meio de seus sonhos.
Assim, vou falar-vos do único ponto de vista que conheço, que não é nem o do
místico nem o do ocultista. Durante a minha palestra não irei fazer distinções
em relação a qualquer deles, porque, em minha mente, essas distinções não
existem.
Antes que se comece a criar, seja
mental, seja emocional, seja fisicamente, é necessário averiguar qual o
propósito da criação, qual o propósito da produção, qual o propósito da
atividade e qual o propósito do retiro. Para mim, o propósito de todo o serviço,
de todo o pensamento, sentimento e atividade, é o aperfeiçoamento da mente, das emoções e do corpo físico,
porque, sem o aperfeiçoamento da mente, das emoções e do corpo físico, sem o
aperfeiçoamento destes três, sem que haja harmonia entre eles, não podereis
possuir o bem estar de conjunto. Assim, é necessário determinar para onde
vamos, qual a finalidade desta existência com suas lutas, alegrias e tristezas.
Para mim, o propósito integral da vida consiste no descender e no ascender, no
sair da chama e no desenvolvimento gradual da centelha até tornar-se novamente
uma chama. Como a chama, todos nos havemos de tornar, sem distinção, quer vos
denomineis místicos, quer ocultistas. Para mim não existem caminhos separados,
existe somente um caminho. Se subirdes uma montanha, em sua base encontrareis
centenas de caminhos que levam no sentido ascendente, porém quando ela se vai
tornando mais encarpada e, mais próximo do ápice, só existe um caminho único
solitário. Pode haver muitos caminhos embaixo, porém, quando estiverdes no
estágio superior, há somente um.
Precisamos agora, encarar o
serviço — que é aquilo que haveis estado discutindo — desse ponto de vista
único, isto é, do superior a todos, onde somente existe um caminho, que é o
caminho da paz. Aqueles que se acharem interessados, que estiverem se
esforçando, que trabalharem para essa consecução, para essa paz que deve vir
sobre o mundo, devem olhar para todos os problemas desse ponto de vista único.
Posto que eu admita, como todo o homem que pensa, que existem muitos
temperamentos, muitos tipos, no entanto, esses tipos e temperamentos múltiplos
existem só na mente, não se distinguem do topo da montanha. Assim, se
dividirdes demasiadamente, se demasiadamente separardes, manifestar-se-á a
desunião, posto que todos nós trabalhemos para o mesmo fim. Se fordes à Índia,
haveis d verificar que existem ali muitos templos, muitos santuários, muitas
igrejas onde todos os homens prestam culto, todos reconhecendo o mesmo Deus,
porém que, ao deixarem o templo, não olham mais uns para os outros em virtude
de seus múltiplos temperamentos, de seus muitos tipos. Por este modo, é Deus
dividido, como o são os campos da terra, divididos pelos seres humanos, com
seus limites, suas barreiras estreitas. Dividis Deus por esses temperamentos,
por esses tipos, e daí vem a desunião.
A mim direis que eu não sou do
vosso tipo, que sou místico, e a outro direis que é ocultista. Qual a
diferença? Porque modo sofre o místico mais ou menos do que o ocultista? De
modo algum são eles diferentes, exceto no grau de tristeza. Eles podem ter
tristezas de diferentes espécies, porém todos sentem tristeza, portanto todos
são seres humanos vulgares e meu argumento é que não deve haver divisão. Se
fordes sábios, não separareis as pessoas pelos temperamentos, nem os haveis de
catalogar.
Se reconhecerdes que existe uma
unidade fundamental, que todos os seres humanos são essencialmente os mesmos, essencialmente unidos, posto que possuem peles diferentes e mente
diferentes, então haverá um real desejo de auxiliar, um desejo real de servir.
Quão frequentemente me tem sido dito que sou místico, que meu caminho é mais
curto e mais difícil do que o dos outros. Meu caminho é como o vosso; todos nos
encontramos no fim, quer sejamos ocultistas ou místicos ou indivíduos de ação,
todos chegaremos juntos ao cimo da montanha, onde temos de esquecer essas
estreitas divisões e subdivisões mentais.
Aqueles que quiserem ajudar
necessitam possuir esse intenso ardor de proporcionar o conhecimento que provém
do entendimento. Posto que sejais muito eruditos — muito versados em livros —
não chegareis a compreender se pensardes que por meio dessas teorias
complicadas somente, sem esse ardente desejo do que vos falo, podereis ajudar o
mundo. Toda pessoa que por si mesma encontrou certa felicidade, deseja
partilhá-la com outros.
Assim, encararei a atividade sob
dois pontos de vista diferentes. Em primeiro lugar existe a atividade que nasce
do conhecimento e sabedoria e depois a atividade que nasce do senso comum
físico ordinário. Todos vos ocupais aqui com auxiliar o mundo; tendes falado
acerca disso durante estes últimos dez dias — às vezes de maneira mais
excitante e agitada. Que é que entendeis exatamente por “ajudar o mundo?” Quem
é que quer que ajudeis ao mundo? Sereis assim tão superiores a mim ou às
pessoas vulgares do mundo exterior? Qual a maneira pela qual é seguro e durável
o vosso conhecimento? Aquilo que dais é nascido da certeza oriunda do vosso
próprio entendimento? Quando estiverdes certificado de vosso próprio
conhecimento, podereis tomar em consideração o auxiliar aos outros. A maior
parte de vosso conhecimento, é de
segunda mão; a maioria de vossas teorias, são de segunda mão; a maior parte
de vossa sabedoria vós a haveis colhido nos livros; a maior parte de vossa
devoção é estreita e limitada. Assim, esse auxílio que prestais, é transitório,
por não ser de vossa própria criação,
nascido de vossa própria certeza. Aquilo que proporcionais não servirá de
ajuda, verdadeiramente, a não ser que o possais dar do interior, de vosso
próprio entendimento e conhecimento da vida. Na maioria não vos achais em
contato com o mundo, posto que no mundo não vivais. Eu quero que vos
certifiqueis de vossos próprios desejos, que vos assegureis de vosso próprio
conhecimento, que vos certifiques de vosso próprio propósito.
Para verificardes o que vos
pertence, precisais interrogar, precisais duvidar. Eu duvidei e interroguei de
contínuo até me certificar de meu conhecimento, até poder dizer que sabia, até
me tornar positivo. Agora não se me dá que quem quer que seja escarneça ou se
sinta intelectualmente superior, é coisa que não me faz diferença; aquilo que
encontrei é meu, aquilo que colhi através
dos séculos passados, através dos milênios passados, aquilo que possuo é de minha própria criação. Fui tornado
perfeito em meu próprio conhecimento, nesse conhecimento que tem importância,
nesse conhecimento que tem valor, que guia, que protege, que dá força.
Se possuirdes um tal conhecimento
— adquirido por vós próprios — então vosso serviço à humanidade será de valor.
Só podeis prestar auxílio real quando estiverdes acima da necessidade de
receber auxílio. Não digo que não ajudeis os outros enquanto estais buscando,
porém, o propósito de todos deveria ser alcançar a sabedoria, o conhecimento,
de modo a verdadeiramente ajudarem, de modo a proporcionar certeza àquelas
pessoas que estão em dúvida, que estão sofrendo ou imersas em passageiras
alegrias. Daí, aqueles que desejarem ajudar, seja materialmente, no plano
físico, seja criando ideais no mental — são coisas fundamentalmente idênticas —
devem estar seguros de seu próprio conhecimento, devem possuir essa sabedoria
que proporciona certeza, devem haver bebido na fonte da sabedoria. De outra
maneira, por muito que desejeis auxiliar somente alimentareis os corpos
transitórios. Que tem maior valor, alimentar o corpo, ou enobrecer a alma?
Asmas as coisas são essenciais, porém, não deveis começar pelo extremo errôneo.
Deveis começar por enobrecer a mente e o coração, por purificar a alma, e
depois, o que quer que façais, sejam quais forem os vossos pensamentos, os
vossos sentimentos eles estarão em reta proporção com o vosso conhecimento; não
grotescamente, nem fora de propósito. Daí, precisais usar de discernimento,
distinguir entre aquilo que é durável e aquilo que é passageiro, aquilo que é
permanente e aquilo que é transitório. Quando vos tiverdes tornado capazes de
escolher entre o falso e o real, vosso serviço será de utilidade.
Todos vós olhais para o futuro,
para o tempo em que vireis a pertencer à sexta raça-raiz, porém, na espera da
sexta raça-raiz, não percais o belo dia de hoje. Todos vós esperais adquirir
conhecimento de pessoas que possuem autoridade, sejam elas quais forem;
esperais ser alimentados, e, enquanto esperais, o verão passa, a treva,
estabelece-se e estareis ainda esperando a sexta raça-raiz. É por possuirdes
muito pouco conhecimento da vida presente que quereis fugir-lhe e, assim olhais
para algo no futuro, algo de belo, de agradável, de estático e de maravilhoso.
É o que sois agora que tem importância; deixai em paz a sexta raça-raiz.
É o que criais no momento
presente que tem valor. Se semeardes milho, podeis esperar que nasça carvalho?
Se semeais trigo, podereis esperar colher romãs? Se plantardes uvas podeis
esperar por maçãs? O que semeardes agora virá a produzir o resultado mesmo que
desejais. Está em vosso poder atingir a felicidade e a libertação, ninguém
vo-las pode dar; elas não vos são oferecidas em uma travessa que possais recusar,
residem dentro de vós mesmos e, se fordes grandes, se tiverdes a capacidade de
fugir das limitações do tempo, então tereis sobrepujado mesmo a sexta-raça.
Assim, eu gostaria de voltar
novamente àquilo que disse em começo, a essa atividade da qual o mundo
Ocidental está tão cheio. Podereis ser um grande místico e, apesar disso, ser
emocional e mentalmente ativo, posto que talvez isso seja mais difícil no plano
físico. Talvez chegueis a verificar, se fordes à Índia, que ali, por causa do
clima, se é mais ativo, emocional e mental do que fisicamente. Aqui faz muito
frio e tendes que ser ativos afim de vos manterdes despertos, porém essa
atividade não significa que estejais resolvendo os problemas do mundo, talvez
estejais aumentando-os, acrescentando-lhes uma outra barreira.
Assim, amigo, se realmente
desejardes ajudar, como o deveis, não somente deveis ser ativos, mas deveis
também contemplar, deveis buscar a solidão, deveis ter sonhos. Por que motivo
há tanta balburdia no mundo entre Oriente e Ocidente? É porque no Oriente
pensam que o físico não existe, que é maya,
que passa e uma nova vida vem a ser; ao passo que aqui, o físico, é a única
coisa de valor, e por isso dizeis: “Tornemo-nos alegres enquanto dura esta vida”,
e esquecei-vos de que existe o outro lado do quadro. Assim, os dois se chocam,
— o físico de um lado e o emocional e o mental do outro — há sempre
perturbação, há sempre desentendimento; quando, porém, puderdes combinar os
dois, quando puderdes tornar o mundo perfeito no conhecimento dos dois, então
existirá felicidade. E aquelas pessoas que possuem o desejo de servir, que
possuem esse ardente desejo de ajudar, precisam compreender a quem é que estão
ajudando e porque é que devem ajudar. Para realmente ajudardes, verdadeiramente
e perduravelmente, precisais ter dentro de vós a paz eterna, a eterna certeza e
libertação. Sem a visão, sem o conhecimento daquilo pelo qual estais
trabalhando, o que quer que façais, seja mental, emocional ou fisicamente, não terá valor. É por isto que, aqueles
dentre vós que pertencem a instituições, que são eruditos em livros, devem ser
cuidadosos para que o seu conhecimento não se torne meramente teórico, sem a retaguarda
da experiência e da certeza, pois que, sem esta certeza, tomai cautela de como
ajudardes as pessoas. Se puderdes dissipar a tristeza, se puderdes proporcionar
bálsamo às feridas dolorosas, então não vos importareis a que tipos e a
estágios de evolução pertenceis. Tudo o que desejareis, será auxiliar, pelo
fato de possuirdes a certeza e por terdes esse conhecimento cuja função no
mundo é proporcionar sabedoria.
Assim, amigos, sois semelhantes a
todos no mundo, posto que vos possais chamar por diferentes nomes, pois que vos
achais ainda no vale da tristeza, e somente podereis atingir essa clara luz da
felicidade, que está dentro de vós,
pela vossa própria luta, pela vossa própria autoridade, não pela autoridade de
outrem. Pelo vosso próprio conhecimento, pela vossa própria tristeza, podereis
encontrar o caminho; e quando vos achardes certos, quando fordes positivos,
quando estiverdes seguros em vossa sabedoria, então o que derdes será de grande
utilidade, será de valor perdurável, auxiliará e dará felicidade àqueles que
não a têm.
Krishnamurti em Discurso proferido em um Camp-Fire da Ordem de Seriço
em Ommen, 1927