Pergunta: Por favor, explicai-nos a vossa ideia sobre enamorar-se da
vida.
Krishnamurti: Existe a
igualdade na vida e na forma a desigualdade. Na vida existe unidade, pois que
toda a vida é uma; na expressão dessa vida, que é forma, é preciso que haja
diversidade.
Pelo fato de prestardes maior
atenção à forma, que é expressão da vida e que não pode ser unificada, do que à
vida em si mesma, dá-se desunião. Quereis que todas as pessoas sejam iguais,
que todas as formas sejam idênticas. Na expressão de pensamentos e sentimentos
quereis que todo o mundo seja igual, o que jamais pode acontecer.
No preenchimento da vida que, por
seu turno, é verdade, existe unidade, e se guardardes isto sempre em mente e
viverdes nesta unidade que é vida, então a diversidade e discórdia de
expressões da vida terão um significado diferente. Quereis que todas as expressões
da vida se unifiquem. Como pode isto acontecer? Pensai que mundo fatigante não
seria este se todos nós concordássemos, se todos tivéssemos as mesmas ideias,
os mesmos pontos de vista! Precisais ser livres para
desenvolverdes vossa particular forma de expressão, vossa uniquidade pessoal.
Pelo desejo de criar a igualdade nas expressões da vida, o mundo, nos tempos
presentes, criou a mediocridade. O preenchimento da vida é tão essencial, tão
importante, porque sem este não pode haver paz, nem entendimento, nem o atingir
da felicidade.
Pergunta: Não temos que expressar nossas ideias na ação, que, no fim de
tudo, é correta? Trata-se, pois, de continuamente fugirmos daquilo que fazemos?
Krishnamurti: É isso.
Quando construís uma casa, em primeiro lugar, levantais um andaime e, depois de
haverdes construído a casa, demolis o andaime. É preciso que haja uma
destruição constante do molde no qual criastes.
Pergunta: Não é dual a meta da evolução? Isto é, atingir a união por um
lado e obter completo domínio sobre o mundo da matéria pelo outro?
Krishnamurti: Não penso que seja dual. Não podeis
atingir a união sem completo domínio sobre a matéria. Não é questão de
atingir-se em primeiro lugar, e depois expressar vosso atingimento na forma.
Não podeis dividir matéria e espírito.
É preciso que haja igualdade e
expressão harmoniosa no desenvolvimento da vida. Não podereis encontrar a união
negligenciando a forma — isto foi o que tentaram fazer na Índia não
como tentam faze-lo no Ocidente pelo desenvolverem a forma com esquecimento da
vida. A partir do momento que dividais a vida em matéria e espírito, sereis
conduzidos a muitas complicações, ao passo que, se verificardes a matéria e o
espírito como sendo um só, muitos problemas serão resolvidos. Vós próprios sois
espírito e matéria. Sois responsáveis pela matéria que existe em redor de vós e
também pela vida que anima esta matéria.
Pergunta Toda a vida e toda a força espiritual precisa ter uma forma de
manifestação sobre o plano físico. Não nos é possível enviar um telegrama sobre
um cartão fantástico. Como, pois, dizeis que a forma é desnecessária?
Krishnamurti: Sou o
primeiro a reconhecer que as formas são necessárias em certos casos. Quando,
porém, se dá às formas importância máxima, mata-se a vida. Eu vivo mais
preocupado com a vida do que com a forma e por isso vos falo acerca da vida.
Quando entenderdes a vida criareis uma forma perfeita. Vós estais tomando a
forma como de maior importância do que a vida.
Todo o institucionalismo mata a
vida. E, quando limitardes a vida por meio de formas, sociedades, religiões,
tornam-se elas mais importantes do que a própria vida.
Seria necessário dizer que, se
quiserdes enviar um telegrama tendes que o fazer pelos métodos apropriados, por
meio dos fios do telegrafo. Porém, os fios do telégrafo não são tão importantes
como as mensagens que através deles enviais.
Pergunta: Dizeis, buscai a vida que é uma e não as formas, que são
múltiplas. Essa vida é uma e incolor; de onde vem a diversidade de uma
expressão? Se a forma é a expressão da vida, porque maneira a vida se expressa
a si mesma?
Krishnamurti: Eu vos
disse, amai a vida e aí encontrareis unidade. Nas formas é preciso que haja
diversidade. Estais vos esforçando por unificar as formas, o que jamais poderá
ser feito. Tendes que ultrapassar tudo isso. Quando um rio vem de montanhas
distantes, na nascente existe unidade. Porém, à medida que ele atravessa muitas
terras, muitos canais que se derivam desse rio e manifesta-se a diversidade,
posto que a água do rio seja a mesma. Vós vos estais esforçando por unificar os
canais.
“Pois que a vida é uma e incolor;
de onde provém a diversidade de sua expressão?” Um homem vai ao poço com um
vaso de prata, outro com um pote de barro e outro com uma vasilha de cobre
brilhantemente polida. Existe uma grande diferença entre os vasos que contêm
água, porém a água é a mesma em todos.
“Não podeis segurar os ventos em
vosso punho nem colher as águas do mar em um vestido” e malgastais o vosso
tempo no exame dos vasos que contém a vida.
Pergunta: Dizeis, “Sou um com o Bem Amado”. Que entendeis pelo Bem
Amado?
Krishnamurti: O Bem Amado
de cada homem variará de acordo com seus próprios valores, seu crescimento, seu
entendimento, seus sofrimentos. Para mim, o Bem Amado é cada um de vós; a haste
de erva, o pobre e o rico, o cão infeliz e a montanha magnifica, as árvores
gloriosas e todos os Deuses. Este é o meu Bem Amado.
Pergunta: Ateastes, pela vossa experiência pessoal, a possibilidade e o
valor do atingimento da felicidade eterna e da liberdade e quereis mostra-nos o
caminho mais simples e direto de levar o mesmo efeito. Vossa mensagem tem que
ser em termos gerais para atingir a todos e é, indubitavelmente difícil o
definir, na limitação das palavras, o que está para aquém e para além das
palavras. O resultado, porém, para alguns dentre nós, pelo menos, é um
sentimento de algo vago e de ilusório.
É perfeitamente verdadeiro que, se quisermos ir para algum lugar, temos
que determinar nossa menta. Porém a palavra “meta” sugere um fim, ao passo que
estais falando de algo, de “eterno”, de “vida”, de “verdade”, que são conceitos
abstratos somente de nós conhecidos em suas parciais, varias, concretas
expressões. Quereis dizer que o princípio abstrato, infinito, eterno, que
chamais “vida” ou “verdade” gosta de se expressar a si mesmo sob formas
manifestas e que nos convidais a aprender a participar dessa alegria de
criação? Porém, como? E porque é que a dor e o sofrimento são necessários para
o entendimento? Será que somente nos seja permitido gozar seus oponentes? Que
conforto encontraria, digamos, um esfomeado, um indivíduo desempregado em vossa
mensagem?
Krishnamurti: Só há infelicidade
quando a vida está no cativeiro. A partir do momento que derdes liberdade à
vida, posto que a princípio possa haver tristeza, haverá no fim felicidade
perdurável. Quando uso a palavra “meta”, posto tenha ela sentido limitado, não
quero entender um fim em si mesmo. Não tem começo nem fim; a verdade não tem
princípio nem fim. É a mente limitada que antepõem limitação à vida. Quando uso
a palavra “meta”, modifico-a por meio das palavras “sem começo nem fim”.
Agora a questão é esta: “Quereis
dizer que o princípio abstrato, infinito, eterno, que denominais vida ou
verdade, gosta de expressar a si mesmo em formas manifestadas e que convidais a
aprender a participar dessa alegria de criação?”
Qual a utilidade da vida se essa
vida não se expressa a si mesma? Todos vós sois as manifestações e expressões
da vida. E tristeza, dor, alegria e êxtase, são tudo manifestações da vida; são
expressões suas. Se delas não participardes e as não gozardes, a vida não terá
valor para vós, a vida não se preencherá em vós. “E por que é que a dor e o
sofrimento são necessários para o entendimento?” Tereis jamais encontrado um
homem que não tenha sofrido e que apesar disso possua entendimento? Ou um homem
que não tenha passado pela dor de experimentar simpatia ou afeto? Vós me
perguntais: por que é necessário sofrer ou experimentar dor? Sustento eu que,
enquanto a vida — que é pensamento e sentimento e algo de muito mais — for
mantida em cativeiro, for limitada, é preciso que haja sempre dor e sofrimento.
Quanto mais libertardes essa vida menos tristeza e dor haverá.
“E que conforto encontrará,
digamos, um indivíduo esfomeado, desempregado, em vossa mensagem?”
Provavelmente nenhum. Amigo, o
faminto e o desempregado são criação vossa, o produto de vossa civilização. E
para alterar a civilização, que é a expressão da vida, a vida deve ser tornada pura e liberta de
cativeiro. Se a vida for impura a civilização será impura. E o
faminto, o desempregado, o oprimido, são resultado de uma civilização
contorcida. Assim, não há vantagem em simplesmente dar alimento ao faminto:
precisais alterar a civilização, seus próprios sentimentos e pensamentos. Isto
significa que precisais voltar à origem, que é vida, e purificar essa
vida.
Krishnamurti, 1928