Assim como uma árvore com muitos
ramos pode dar ao viajante cansado sua sombra, assim todos que desejarem ter
uma jornada agradável pela estrada da vida, precisam possuir o conhecimento que
é alcançado por meio da experiência. Pois não é o mero conhecimento dos livros,
de teorias intelectuais, porém o conhecimento nascido da verdadeira
experiência, que é cultivado pelo pensamento constante alimentado pela
constante observação, que ajudará no verdadeiro entendimento da vida.
Para compreender e apreciar, como
frequentemente o tenho eu dito, precisais aprender a observar. Pois o
entendimento da Verdade e o entendimento da Vida advém quando fordes capazes de
traduzir o que observardes em vossa vida diária. Outro dia, ia eu de Shanti
Kunj para o Hall da Sociedade Teosófica e chovia. Todas as folhas eram
aspergidas e purificadas. Havia um homem, um jardineiro, todo encapotado até o
nariz, sentado sobre a ponte, entre o jardim de Shanti Kunj e o portão.
Pergunto a mim mesmo quantos dentre vós o haveriam notado. Como não sabia falar
hindi, pedi ao amigo que me acompanhava que dissesse ao homem que entrasse para
a varanda, pois que estava chovendo e não era muito agradável estar sentado
fora, durante a chuva. Esse amigo assegurou-me que ele estava acostumado a
coisa semelhante. Chocou-me o verificar quão calejados nos tornamos para as
coisas que observamos todos os dias. Imaginava, à medida que me dirigia para o
Hall que o velho em questão ia resfriar-se e cair doente e que porção de
dificuldades não teriam que defrontar com ele e a sua família em resultado da
chuva. Havia uma varanda próxima, onde ele se poderia ter sentado sem que
ninguém se opusesse a isso e no entanto, todos iam passando e ninguém lhe disse
que se recolhesse à varanda. Em lugar de se meditar tanto sobre o Ganges e
cumprir práticas espirituais e todas as complicações que considerais
necessárias à vida espiritual, quisera, que pudésseis aprender a verdade e o
entendimento nos pequenos incidentes da vida, não no aprendizado de grandes
lições ou no fazer dos grandes sacrifícios. Se um cão, pelas ruas andar
sarnento, sem pelo, comido pelos insetos, coisa realmente lamentável de
contemplar-se, que dificilmente se mantenha sobre as pernas, quantos dentre vós
— que sois jovens, que ides à escola, que fazeis perguntas complicadas e, à
medida que cresceis em anos, executais todas as espécies de cerimônias, ides ao
Ganges, aos lugares sacros, visitais santuários — tivestes jamais um pensamento
único para esse infortunado cão? Que importância tem que encontreis deleite em
certa verdade, se não traduzirdes esse deleite para a vida prática? Muitos
amigos meus vêm a mim e me pedem que os ensine a como meditar. Eu contemplo-os
por muito tempo, não de modo paternal, nem apiedado, porém com tristeza no
coração, ponderando se pela meditação eles irão resolver a tristeza do homem que
se acha na ponte sentado, ou a dor do cão que se encontra faminto e sarnento e
que todos evitam. Se não prestardes auxílio em coisas tais, para que serve a
vossa meditação, as vossas práticas espirituais? Não sei por que haveis de
meditar se de vosso pouco entendimento não puderdes dar a outrem.
Assim, pois, enquanto sois jovens,
aprendei, se me é permitido sugerir-vos, a contemplar a nuvem que passa pelo
céu a verificar como dá sombra, onde a sombra cai, sobre quem projeta seu
negrume por meio do sol radiante e contemplar em uma tarde a nevoa radiante que
delicia o pássaro solitário que se encaminha para o lar; contemplai o pássaro
que se balança sobre um ramo, ponderando onde é que há de encontrar seu alimento,
lobrigando cada verme, buscando todo o grão. Observe, depois, como caminham os
homens, como se comportam, por que modo se vestem, o modo pelo qual conversam a
maneira por que comem, o modo de eles estudarem; pois cada coisa, se
aprenderdes a observar, terá para vós um significado especial. Por esta maneira
eu encontrei a verdade; por esta maneira estabeleci perduravelmente a verdade
dentro de mim próprio, por esse modo atingi. Aprendi a utilizar todo o pequeno
incidente que tem lugar. Quando comeis uvas absorveis o suco e abandonais e
rejeitais a pele. A casca não tem valor, vós a atirais fora e ela seca ao sol e
desaparece, porém o suco da uva vos proporciona nutrição. A lição vos dará
força para aprenderdes outras lições de incidentes outros e o acúmulo de
experiência torna a vida completa e integral.
Se fordes sábios, não com o mero conhecimento
originário dos livros, não com a sabedoria que vem do culto às imagens e do
visitar santuários e templos — posto que todas essas coisas possam ter seu
valor — porém com a sabedoria que nasce da experiência, do entendimento da
tristeza, da dor e do regozijo, do grande prazer, aprendeis a caminhar por
todas as ruas com todos os homens. Conheci um homem na Inglaterra que costumava
embriagar-se todas as noites. Porém, num dia da semana ele jamais se
embriagava, pelo fato de seu filho vir da escola nesse dia determinado. Não
podeis imaginar que sacrifício era para ele o não beber nesse dia ao passo que
estava habituado a embriagar-se todas as noites. O afeto que tinha pelo filho,
o pouco entendimento que havia desenvolvido, dera-lhe capacidade para
sacrificar seu imenso anseio pela bebida. Porém o que fazemos nós que lemos a Bhagavad Gita muitas vezes ao dia, que
meditamos, que executamos muitas cerimônias que supomos há de resolver nossos
problemas da vida? Somos, provavelmente, mais cruéis para com os nossos filhos,
para com as nossas esposas, do que o ébrio. Podeis ler toda a literatura do
mundo, podeis meditar, podeis adorar em todo o santuário, podeis ofertar
flores; se, porém, não souberdes como tratar a outrem com afeto, tomar a outrem
dentro de vosso coração, toda a vossa meditação, todos os vossos sacrifícios,
todo o vosso conhecimento será sem valor.
Aprendei a manter vossos olhos
abertos. Toda a folha que cai da árvore tem seu significado, todo o pássaro que
voa vos pode proporcionar seu deleite, sua suavidade, sua energia. Todo o
pequeno incidente que vos rodeia vos pode ensinar sua grande lição. Se da vida
aprenderdes por este modo, então não necessitareis de grades autoridades que
vos narcotizem até ao sono; não precisareis de doutrinas que sufoquem e
mantenham a vossa vida em cativeiro; não precisareis de crenças que vos tornem
complicados, que vos forçam como uma vide, como uma trepadeira; não precisareis
de santuários com suas imagens inúmeras, seus deuses com seus múltiplos
desejos. Pois que vós próprios vos tornareis a imagem santa, vós próprios vos
tornareis o templo. Por isto é que deveis observar e colher experiências afim
de compreenderdes. Este é o poder que eu gostaria de proporcionar-vos se por
acaso há coisa que se pareça com dádiva; eu quisera abrir vossos corações e
mentes.
Durante estes dias que estive em
Benares observei como as pessoas prestavam atenção aos vários oradores
inclusive a mim próprio e notei quão pouco eles compreendem realmente; não
somente as suas perguntas traem sua falta de entendimento, como também o modo
pelo qual se comportam. Não se trata de grande entendimento, trata-se de nos
tornarmos menos complicados na vida, pois que a verdade é simples. A verdade só
vem a um homem que tenha aprendido a utilizar o entendimento para aliviar os
outros, eliminando o desentendimento das mentes e dos corações dos outros. A
verdade vem somente àqueles que trilham a estrada da vida com entendimento.
Quando voltardes no ano próximo,
gostaria que todos vós fosseis meus verdadeiros companheiros pelo fato de
realmente compreenderdes. Quisera que fosse removida a barreira que existe
entre vós e eu, a barreira do desentendimento e de falta de poder para traduzir
esse verdadeiro entendimento para a vida. A ocasião apropriada para vos
tornardes simples, limpos, puros e serenos é enquanto sois jovens. Enquanto
sois jovens deveis proteger a vós próprios como planta tenra, de todas as superstições,
credos e autoridades. Aprendei, enquanto jovens, a crescer tão firmemente como
a palmeira, reta, simples e escorreita. A única verdade, a única meta é crescer
das complexidades inúmeras, para a grande simplicidade. Quando houverdes
alcançado a simplicidade, o verdadeiro entendimento da Verdade nasce com ela e
somente podereis alcançar essa simplicidade e verdadeiro entendimento quando
fordes capazes de dar a todo o incidente que vos rodeia seu valor apropriado,
para que, ao passo que aprenderdes sua lição sejais capazes de esquecer o
incidente. Em vossa própria mão repousa a glória de vossa perfeição, em vosso
próprio coração reside a purificação do afeto e em vossa própria mente reside o
poder de desenvolverdes vossa uniquidade individual. Então podereis utilizar toda
a coisa que ao redor de vós acontece e construir vossa casa tão forte em seus
alicerces que ela perdure através da eternidade. Então, em tal edifício a
Verdade estará estabelecida.
Jiddu Krishnamurti em discurso
proferido em Benares, Índia, 1928