Por onde quer que eu haja estado,
em todo o mundo tem-me sido perguntado se o meu propósito é fundar uma outra religião,
promover cerimônias, escolher discípulos. A todas essas perguntas respondo que
não desejo estabelecer uma nova religião, novas crenças, novos dogmas, novas
cerimônias, porque, para mim, todas essas coisas são insubsistentes, não-essenciais
para o preenchimento da vida.
Eu não tenho discípulos, nem
seguidores, pois que estes, para mim, seriam uma limitação à Verdade.
Meu único propósito na vida é auxiliar
as outras pessoas a atingirem a libertação e felicidade que por mim mesmo
encontrei, e que é a meta única para toda a humanidade.
Meu ensino não é nem místico, nem
oculto, pois sustento eu que tanto o misticismo como o ocultismo, são limitações
que os homens opõem à verdade. A vida é mais importante que quaisquer dogmas ou
crenças, e afim de permitirdes à vida sua plena fruição, tendes que libertá-la
de crenças, de autoridades e tradições. Aqueles, porém que estiverem ligados
por essas coisas, encontrarão dificuldade no compreender a verdade.
Pelas perguntas que me têm sido
feitas por todo o mundo, verificar-se-á quão poucas pessoas realmente desejam
compreender e atingir a verdadeira liberdade da vida. Fazem citações de
escrituras antigas e de autoridades eruditas, colocam-me em confronto com elas,
e imaginam por esse modo haverem estabelecido seus próprios problemas. Porém,
aqueles que quiserem compreender a vida, precisam procurar a verdade fora
desses muros tradicionais, longe dos ditames dos antigos, por eruditos que
sejam, por sábios que se mostrem.
A tradição pode ser útil para os
jovens que necessitam de proteção, porém o sofrimento e a experiência deveria
dar lugar ao desejo de despedaçar todos os muros restritivos e de ser livre. Os
seres humanos, por toda a parte buscam ser guiados, procuram a autoridade para
que se lhes digam o que é bom e o que é mau, o que é verdadeiro e o que é
falso, o que é essencial e o que não é essencial.
Se dependerdes da autoridade para
o vosso conforto e apoio, em vez de crescerdes em vossa própria força, a treva
descerá e ocultará a verdade. Se dependerdes da autoridade, perdereis vossa
própria força de pensamento criativo.
Eu quisera tornar liberta a energia
criativa que existe em cada um, afim de que a si próprio pudesse encontrar e
desenvolver sua uniquidade individual, afim de que pudesse abrir-se semelhante
à rosa matinal, que dá seu aroma ao ar e delicia a todo transeunte com sua
frescura e fragrância.
Jamais podereis encontrar a
felicidade e a libertação se meramente seguirdes a outrem, se meramente
escutardes e obedecerdes. A autoridade de livros, de indivíduos jamais poderá
expandir a mete ou o coração. Ao contrário, sufocá-los-á. A maioria das pessoas
acham-se mais interessadas pela vida em sua superfície do que na sua origem.
Voltam-se para a autoridade porque temem fazer face à vida com seus problemas,
suas tristezas e dores. É meu propósito mostrar que autoridade alguma, , por
mais sábia que seja, pode prestar auxílio. Viver sob o regime da autoridade é
como viver à sombra de uma árvore. Pode ser isto belo, fresco e agradável,
porém, à medida que o sol se move, move-se a sombra e, assim, tendes que mudar
constantemente de lugar e não ter paz nem tranquilidade.
Quando sobrevém uma grande
enchente ela varre centenas de casas, lindos pomares e campos verdejantes.
Assim, se quiserdes fazer frente à verdade, tudo deve ser varrido e nesse
processo, tem que haver destruição, caos, ansiedade e grande incerteza. Se
quiserdes entender a verdade, precisais verificar que ela não pode ser “amortecida”,
como se faz em uma usina com a eletricidade de alta voltagem, que é
transformada para ser utilizada. Não podeis limitar a verdade por esse modo,
não a podeis fazer descer. Tendes que ir até à verdade, antes do que trazê-la
fazendo-a descer ao nível de vossa limitação.
A limitação da verdade é o
cativeiro da vida. Sustento eu que quando limitais a vida o resultado é
estagnação e infelicidade. A liberdade da vida vem através do entendimento e
não por meio do conforto. Pelo fato de, através das idades ter existido o
desejo de rebaixar a verdade ao nível do entendimento do homem, inúmeras gaiolas
foram criadas, e o homem vai de gaiola em gaiola — às vezes para uma gaiola
mais ampla, talvez, porém sempre uma gaiola.
Todas as fés, todas as religiões
tendem a proporcionar à mente conforto em vez de entendimento, consecução ao
coração. Não busqueis o conforto se quiserdes encher o coração tirando-o de sua
fadiga, pois que o conforto jamais produzirá o preenchimento da vida, somente
poderá criar uma barreira entre vós e a verdade que buscais.
A verdade variará de acordo com a
percepção individual, e a verdadeira cultura é a expressão desta percepção
criativa. Uma vez que tenhais captado um vislumbre dessa eterna verdade, ela
atuará como guia. Assim como um navio é regulado e dirigido por uma bussola,
assim, por entre a confusão de pensamento e sentimento a vós próprios guiareis
pela verdade que houverdes enxergado. Tornar-vos-eis uma luz para vós próprios
e assim, não projetareis sombra sobre o caminho ou sobre o semblante de outrem.
Na verdade não existe falência
nem engano, nem bem nem mal. Tudo é matéria de experiência para preenchimento
da vida e a perfeição será atingida quando houverdes transcendido a necessidade
de experiência.
Minhas respostas a todas as
perguntas que me foram dirigidas não são baseadas sobre autoridade de livros
eruditos ou de opiniões firmadas. Eu encontrei a libertação e penetrei nesse
reino onde existe a eterna felicidade e por isso quisera ajudar outros a
compreenderem sob este ponto de vista.
Assim como estou livre de
tradições e crenças, quisera libertar a outras pessoas dessas crenças, dogmas,
credos e religiões que condicionam a vida. Somente deste ponto de vista é que
eu falo e não pelo desejo de infiltrar uma nova doutrina ou impor uma nova
autoridade. Assim como escapei de toda a limitação, meu desejo é libertar todos
os homens.
Não sou oráculo para resolver
todos os problemas. Quero fazer com que pessoas pensem por si mesmas. Quero que
elas debatam as coisas mesmas que tem como mais caras e preciosas de modo a que,
após haverem convidado a dúvida, somente aquilo que for de valor eterno
permaneça.
Krishnamurti, 1928