Todos os homens desejam descobrir
por si próprios, com certeza, qual o propósito da vida. Esta descoberta somente
pode ser feita mediante o viver e não por mero arquitetar de teorias
intelectuais. Após a descoberta desse propósito, podem por ele trabalhar perseverantemente.
Porém, para fazerem isto, precisam libertar-se, de todas as filosofias, dogmas,
credos, religiões, ritos particulares — tudo
pois que ninguém pode, por um momento sequer, descobrir seu verdadeiro
propósito na vida, ou a própria vida, com todos esses impedimentos. Quando o
homem houver se desapegado completamente
de todas as coisas não-essenciais, pode começar a descobrir o que é que ele
próprio está buscando. É na qualidade de indivíduo que ele tem de fazer essa
descoberta.
Todo o homem está buscando
libertar-se da tristeza. Desejo é vida e esse desejo está continuamente lutando
contra as limitações. Ele procura ser livre. Em busca da felicidade está
continuamente rompendo com as limitações.
Os homens estão a todo momento
procurando a perfeição. A imperfeição é uma limitação e a vida individual, que
começa na limitação, que vai de corrupção em corrupção, está incessantemente
buscando a incorrupção e a liberdade. Enquanto durar a limitação, há tristeza e
é da tristeza que todos os homens querem fugir. Estão buscando encontrar um
caminho por meio do sofrimento, pelo emaranharem-se na roda da tristeza e da
dor. No atingir da perfeição encontra-se a libertação e em nada mais.
Buscai a perfeição, portanto, em
lugar das filosofias, das teorias, dos dogmas, das religiões e objetos de culto
— que todos são irreais, infantis, não-essenciais. Os homens distraídos por
todas essas coisas, não atacam o problema único que está na raiz de tudo isso
que os sufoca, que cria devastação em sua auto-expressão, em seu crescimento
individual.
Não desperdiceis tempo com
sombras, que se esvaecem como a névoa da manhã.
Assim, voltamos novamente a essa
coisa dinâmica que é o desejo. Podeis adorar falsos deuses — e todos os deuses
são falsos — podeis aferrar-vos ao irreal, porém o desejo crescerá e vos
subjugará, a não ser que encorajeis esse desejo na direção da perfeição.
Somente com o desejo da perfeição deveis insistir, pois que esse desejo é vida;
este somente se sobrepõe ao caos, as irrealidades às quais os homens se apegam,
em lugar de se apegarem ao real.
Qual é a causa, pois, da
tristeza? Com esta devemos nos preocupar. Tristeza e alegria, dor e prazer, luz
e sombra, são a mesma coisa. A
tristeza precisa existir, assim como o prazer. É inútil tentar fugir a qualquer
delas. Somente quando estiverdes absolutamente isentos de ser perturbados por
qualquer dessas coisas é que a verdadeira perfeição morará em vosso coração e
mente.
O eu está sempre ascendendo para
a perfeição pela auto-afirmação. Ele afirma “Eu sou”, à medida que vai subindo
a montanha da experiência. Esta auto-afirmação do “Eu sou”, cria ecos e esses
ecos voltam como tristeza, dor, prazer. Esta auto-afirmação do “Eu sou” é
inevitável. A ela não podeis fugir. A auto-afirmação na imperfeição, cria a
individualidade. A todo o instante estais afirmando “Eu sou”, “eu” penso assim
e assado, “eu” sinto isto, “eu” sou muito maior que qualquer outra pessoa. O “Eu”
está a todo o instante criando este imenso turbilhão de ecos que voltam sobre
ele e o cegam. Quando, porém, houverdes atingido o preenchimento da vida, vosso
“eu sou” não mais criará ecos, não mais criará turbilhões. No processo da
auto-afirmação, o amor da vida que é o todo — à qual toda a vida individual ou
universal tem de chegar — é esquecido.
Que é auto-expressão? Vós vos
expressais sem conhecerdes vosso verdadeiro eu. Vós expressais o quer que vos
venha à mente e por esse motivo existe esse caos combativo dos diferentes eus.
Como uma árvore na floresta rouba a luz da sua semelhante, assim vós, em vossa
auto-expressão, furtais a luz, o entendimento, a felicidade de outrem, e,
assim, criais tristeza, infortúnio e fadiga. A verdadeira auto-expressão deve
ser o resultado do amor à vida, que é liberdade, que é perfeição. Então, não
podereis entrar em conflito com outrem. Então, tereis verdadeira benevolência
para com o vosso próximo. Então, conhecereis essa unidade da qual falais tão
desatinadamente. A partir do momento que percais o amor da vida e interponhais
vossa auto-expressão do momento entre vós e o eterno, em vossa limitação,
estareis tendendo a sofrer, a criar dor para vós e para os outros. Por esta
razão devereis conhecer qual é o preenchimento final de toda a vida. Uma vez
que tenhais alcançado uma visão da perfeição, como parte de vós próprios, no
traduzir essa visão que, uma vez mais, é autoafirmação — reside a verdadeira
criação. Criação, para a maioria das pessoas, significa edificar casas, pintar
quadros, escrever poesias. Isto não é a verdadeira criação, isto é somente
criação do eu na limitação. A verdadeira criação é a resultante dessa harmonia
que é perfeição, o delicado equilíbrio da razão e do amor. A própria vida é criação,
a vida mesma, é o maior dos artistas. Sereis capazes de atingir a perfeição em
linha reta, estareis tornando-vos verdadeiro criador, ao serdes uno com a
própria vida.
Não podeis fugir a
auto-expressão, porque a própria existência é autoafirmação. Porém, o ser deve
ser tornado perfeito por meio da autoafirmação, por meio da realização de que, enquanto
a autoafirmação estiver em cativeiro, dentro da limitação, pelo fato de haverdes
entendido, tereis sondado o amor da vida.
Jiddu Krishnamurti, 1928