Pergunta: É um fato o ser a evolução humana guiada e auxiliada pela Hierarquia de adeptos e que alguns deles tomam discípulos para serem adestrados de maneira a tomarem o seu lugar na Hierarquia? Se assim é, não será este um caminho em direção à perfeição espiritual?
Krishnamurti: Digo que Deuses, adeptos, tudo isso, não tem utilidade para o crescimento espiritual do indivíduo na direção da liberdade. A Vida está por toda a parte, e em cada pequeno exemplo existe uma potencialidade de experiências. Quereis negligenciar tudo isto e buscar em qualquer outra parte, porque o estar apercebido, o ser positivo, o examinar e analisar a questão, é coisa difícil; exige concentração, êxtase de propósito e, assim, buscais auxílio do exterior que vos faça pular o abismo de corrupção para chegar à perfeição. Para entender a verdade, tendes que olhar ao essencial e todas essas coisas são não-essenciais. Não pretendo que concordeis comigo, isto seria até uma calamidade, porém quero que compreendais, porque o concordar e o ser arrastado por personalidades, não tem mérito algum. Se houverdes entendido a verdade do que estou dizendo, entendido o significado real disto, então sereis levados a viver, e viver é coisa muito maior do que estar em concordância seja com quem for.
Pergunta: Existem adeptos?
Krishnamurti: É coisa que para mim não é essencial. Isto não me concerne. Eu me preocupo sobre se estais tristes, se estais famintos, se sois preza da angústia, e não se qualquer entidade existe. Que valor tem isso? Não estou tentando fugir à pergunta. Tudo o que digo é que não me preocupo com isso. Não nego que eles existam. Na evolução deve existir uma diferença, assim como existe uma diferença entre o selvagem e o mais culto. Porém que valor tem isso para um homem que está colhido pelas grades da prisão? Tudo que digo é que, posto que haja adeptos, posto que possa haver deuses, eles não serão de utilidade para vós, a não ser que vós próprios quebreis as muralhas da limitação. Eu seria insensato se negasse a gama da experiência que é aquilo que chamais evolução. Cuidais mais do homem que se acha em vossa frente do que de vós próprios. Quereis prestar culto a alguém que se acha distante e não a vós ou ao vosso vizinho.
Pergunta: Em “Aos Pés do Mestre”, haveis recebido instrução de um dos adeptos. Que há em relação a isso? Não é felicidade atingir a perfeição?
Krishnamurti: A instrução existe em tudo, porém, se não possuirdes capacidade para assimilar, para compreender, para lutar com a experiência, ninguém vos pode ensinar. Estais uma vez mais, misturando o essencial e o não essencial. O essencial é que o homem seja livre. Ele é intrinsecamente livre e deveria, pela sua própria liberdade, destruir essas limitação que o desejo, em sua busca pela experiência, coloca em redor dele. Podem existir Mestres, adeptos, não o nego, porém não posso compreender que valor tem isso para vós, como indivíduos.
Ouvinte: colocai-nos no caminho reto.
Krishnamurti: Ninguém vos pode colocar no caminho reto, a não ser vós mesmos. Qual o ideal a atingir, a não ser a vossa própria perfeição?
Ouvinte: A perfeição de outrem.
Krishnamurti: Não. Um faminto necessita de alimento para si, não se satisfaz com a sustentação dos outros. A vida não é um processo de confiança em outrem. A vida deve ser desenvolvida pelo indivíduo em sua própria uniquidade. O indivíduo deve confiar em si mesmo, deve desenvolver este padrão desinteressado, mediante o qual possa julgar suas próprias ações e esse padrão jamais pode ser dado por outrem, não importa quão elevado ou quão evoluído ele seja. Podeis ter Mestres e adeptos, porém, pelo fato de serdes corruptíveis, sois infelizes, criais o caos. Assim, digo que, se vós como indivíduos, pelo fato de estardes sofrendo, poderes produzir esse estado de calma, serenidade e completa falta de perturbação, então estareis em vias de atingir.
Pergunta: Estaremos em acerto compreendendo que por — incorruptibilidade — entendeis o desarraigar completo do sentimento de posse, física, emocional, mental, ou significa mais do que isso?
Krishnamurti: Significa isso e mais ainda. Podeis não alimentar sentimento de posse, física, emocional ou outra qualquer; se, porém, não tiverdes harmonia, a qual é, como expliquei, o equilíbrio da razão e do amor, verdadeira criação, não estareis para além das garras da corrupção. Não podeis matar o egoísmo, não podeis matar o desinteresse. Temos de averiguar a diferença. Tentai ser realmente egoísta e então tornar-vos-eis um deus. No fim de contas, não podeis matar o “Eu”, que é o ser (self). Porém, podeis desenvolver o eu (self) para leva-lo a uma condição tal — estou usando o termo condições sem limitações — para que inclua todas as coisas. Não podeis matar o eu — o eu é, em sua própria essência, afirmação e, no processo de subir para a perfeição, os ecos dessa afirmação voltam a vós sob a forma de tristeza. Se conhecerdes o propósito da vida, então vossa afirmação começa a ser tinta pela coisa última que é libertação. Quando sigo “se verdadeiramente fordes egoísta”, peço-vos que não me entendais mal, ou então direis que estou pregando o egoísmo. Não estou pregando nem o egoísmo nem o desinteresse. Digo que o desenvolvimento do eu não é nem egoísta, nem não-egoísta, portanto, deixai a ambos de lado. Se vos achais preocupados com a vida que não é somente o vosso eu, porém também o meu eu, no desenvolver desta vida, naturalmente, ajudareis os outros consciente ou inconscientemente. A coisa principal é preocupardes-vos com a purificação do eu. Todos vós sois de maneira extrema egocêntricos, todos os homens são egocêntricos; porém, sede egocêntricos de maneira extrema, afim de poderdes transformar, renovar o eu. Não sejais egocêntricos as custas de outrem.
Pergunta: É impossível tornar-se impessoal, sem passar por experiências penosas, só pelo pensar reto, sustido e constante vigilância? Quereis uma pílula espiritual que clareie vosso caminho e vos torne perfeitos. O prazer acha-se limitado pelas lágrimas, e tendes de chorar, tendes de rir, para atingir. Não há outro processo. Temeis chorar, quereis rir sempre; se porém, atentardes nisto, vereis que riso e choro são o mesmo, são extremos da mesma coisa. Se, porém, por meio do riso compreenderdes a tristeza e por meio da tristeza entenderdes o riso, não existirá nem um nem a outra. Um pinto realmente grande, um mestre de pintura, está a todo instante vigilante a cada movimento da folha, a cada matiz de colorido, a toda a forma, afim de que, dessa constante vigilância, possa ele produzir em sua tela aquilo que vive através da eternidade. Assim deveis vós alimentar o mesmo interesse, observar, ser agudos em todas as coisas e, por essa maneira, pintar a eternidade em vós mesmos.
Krishnamurti no Acampamento da Estrela em Benares, em 9 de novembro de 1929