Pergunta: Usais frequentemente as palavras “incorruptibilidade do amor”.
É favor explicardes o que quereis dizer com incorruptibilidade. Como pode o
amor ser corrompido?
Krishnamurti: Se
perguntais “Como pode o amor ser corrompido?” — isto significa que não amais.
Eu explicarei o que quero dizer. Amais uma pessoa; a essa pessoa vos unis;
sereis ciumento se essa pessoa não corresponder a esse amor. Não é o que
acontece comumente em nossa vida? Gostais de mim, e, se eu não gostar de vós,
haverá imediatamente antagonismo, luta, uma contenda constante. No perpassar do
tempo, através da compreensão do ciúme, do ódio, inveja, e de todas as
experiências do amor, fazeis esse amor cada vez mais impessoal, cada vez mais
desapegado, e começais, então a ter a verdadeira compreensão da incorrupção do
amor que é, como o perfume da rosa, dado a todos. O sol não se preocupa com
quem ele ilumina. Se conseguis a qualidade pura do amor sem reações, não haverá reação de outros em vós. É semelhante
a isto: podeis levar ao poço um vaso pequeno ou um vaso grande, mas, de fato,
qualquer que seja a quantidade que penseis ter tirado, esta terá sido do
conteúdo de todo o poço, porque a qualidade integral da água está numa
partícula. Do mesmo modo, se sois capaz de dar a alguém esse amor que é a
essência da incorruptibilidade, não vos interessa em que proporção esse alguém
corresponde, não é da vossa conta. Mas, deveis ter em vosso amor a essência
dessa qualidade que é a incorruptibilidade. Isto quer dizer que deveis começar
a amar o povo; a ser, de fato, afeiçoado ao povo, não vos preocupando se isso
leva à tristeza. Somos tão adiantados intelectualmente, que vemos temor e
confusão na afeição e, assim, pomo-la de lado. Há sempre dentro de vós o vulcão
que corrompe a vossa percepção. Mas, para ter amor, sem temer, deveis seguir
todos os processos de amar. Não podeis simplesmente ficar imóvel e meditar
simplesmente na abstrata ideia do amor. Nem podeis consegui-lo pela leitura de
livros ou ouvindo conferências. Se, de fato, amais uma pessoa, não sabeis ao
que sereis conduzido — se às grandes lutas, aos ciúmes, à ansiedade, vigília
constante, caso essa pessoa goste de vós — e daí desenvolverdes, mais e mais a verdadeira
qualidade do amor. Mas, se tendes medo do amor e da afeição, deixais isso de
lado. Estais, então, bloqueando um dos canais, através do qual deveis assimilar
a vida. Portanto, lutai com bondade, não com sistemas, não com o que outras
pessoas dizem, não com religiões, com “gurus”,
com deuses; mas lutai com essa coisa que é eterna, lutai com ela afim de
compreenderdes. Para conseguir a incorruptibilidade do amor, deveis começar
pela corrupção do amor, deveis começar por interessar-vos, cada vez mais, pelos
vossos filhos, vossas esposas, vossos maridos. Pode ser isso egoísta, pode ser
passional, não importa. Por procurardes o ponto culminante estais vos tornando
indiferente ao amor, estais vos tornando tão intelectualmente sobre-humano, que
vossas raízes profundamente cravadas no solo escuro da afeição, estão começando
a apodrecer. É por isso que preferis crer, preferis ser indiferente a todas as
coisas, à aflição, à dor, ao prazer e ao amor. Como pode um homem desses lutar
com a vida, compreender a vida? Como pode um homem que não tenha grande paixão,
grande êxtase, compreender a vida que é o êxtase, que é a dor, que é o desejo,
que é tudo, que culmina na incorruptibilidade do pensamento e do amor? Para
irdes longe, deveis começar perto; para subirdes alto, deveis começar por
baixo. Se, porém, desde o começo, tiverdes a percepção do lugar onde precisais
ir, desse extremo que é a perfeição, o remate da vida, então, a subida será uma
delícia; a luta deliciará e não será um processo penoso e enfadonho.
Krishnamurti em reunião de
inverno em Adyar, 31 de dezembro de 1929