Antes
de responder às questões, gostaria de fazer, como introdução, uma ou duas
observações. Para compreenderdes perfeitamente qualquer coisa que desejais
compreender débeis a ela dirigir todo o vosso espírito.
Não
deveis ter certa parte de vosso espírito funcionando num sentido e a outra
parte procurando compreender alguma coisa. Uma parte do espírito fica o tempo
todo alheia ao que a outra parte deseja, porque vossas apreensões, vosso
desejos, vos impedem de cuidadosamente analisar. Este habitual alheamento de
certa parcela do espírito deve desaparecer. Um médico que deseja curar um mal
crônico procura a raiz do mal e de lá o extirpa. Mas se deixar uma certa parte
do mal no corpo, o mal recrudesce sempre. Assim, se quiserdes compreender,
deveis aplicar todo o vosso espírito. Isto significa que o vosso espírito
precisa não estar satisfeito com todas as coisas que o espírito tenha criado, pois
que, em resumo, tudo é criação do espírito. Não podeis deixar um recanto da
mente inexplorado, não examinado. Se quiserdes verificar se o que estou dizendo
é verdadeiro ou falso — o que é uma questão puramente individual — deveis
dirigir vosso espírito inteiramente a esse exame, não reservando nenhuma parte,
como santuário que vos possa abrigar. Não devem existir recantos secretos em
vosso espírito, nem santuários secretos que receeis pesquisar.
Para
mim, a verdadeira suspensão de julgamento é dar plena aprovação sem discernimento.
Se o vosso espírito está ainda em contínuo e habitual alheamento em determinada
direção e procura estar vigilante em outra direção, não descobrirá a verdadeira
harmonia que é a vida. Vossa vida individual deve funcionar magnificamente,
harmoniosamente em qualquer direção. Não podeis dividir a vida em trevas e luz;
nem o espírito. Se quiserdes, portanto, compreender alguma coisa, algum
assunto, alguma ideia, quer seja nova ou velha, não deveis dividir o espírito.
É muito fácil. Mas é preciso coragem para transpor esta barreira, na qual há,
de um lado, o desejo de pesquisar, o desejo de ser feliz, o desejo de se
aprofundar em qualquer experiência, e de outro lado a apreensão que produz conforto,
santuários e recantos escuros.
Não
quero que a minha prédica seja teórica. O que estou dizendo, sinto-o pessoalmente,
individualmente, e se assim não quiserdes agir, não me escuteis. O que devemos
fazer é nos modificarmos. Um amigo meu disse-me ontem: “Pensais que todos que
te ouvem estão realmente desejosos de ser felizes e libertos?”
Respondi:
“Receio que não. Talvez um , dois, três ou quatro”. Perguntou-me então: “Porque
falas a todos?” Respondi-lhe: “Porque posso encontrar um ou dois que sejam como
o fogo que incendeia e destrói todas as coisas feias e imprestáveis que o
rodeiam”.
Nada vale, portanto, ouvir apenas, deixando
que o espírito, por um lado permaneça em alheamento habitual e por outro
procure pesquisar. Não sereis bem sucedido numa corrida, se tiverdes uma perna
amarrada e a outra livre. Se quiserdes correr, deveis rasgar as ataduras,
abandonar as muletas e tentar o empreendimento. A felicidade, libertação, o
mais alto grau de espiritualidade devem ser alcançados pelos mais velozes; isto
é, pelo homem que age, que opera mais suntuosa e harmoniosamente na vida.
O
que estamos procurando fazer — é colocar a teoria na prática. As teorias não
são boas por si mesmas e o homem que coloca em prática uma teoria em que está
interessado, está no cume da montanha da compreensão. A dificuldade na maioria
das pessoas está em desejar que o espírito esteja cheio de alguma coisa mais.
Não se esforçam, prendem-se a ideias e, então, transformam essas ideias em ação
para si próprios e as mantêm. Se desejardes aprender música, procurareis um
músico e empenhareis toda vossa vontade no sentido de compreende-lo e aprender.
Se procurardes um violinista e lhe pedirdes que vos ensine a pintar, não
aprendereis; tereis de procurar um pintor. Assim, se quiserdes ter
espiritualidade, deveis procurar o homem ou as ideias que são espirituais; e
espiritualidade sob o meu ponto de vista, significa torna o homem total e inteiramente
livre.
Respondendo
estas questões não posso, naturalmente, resolver vossos problemas. Se o
fizesse, não vos auxiliaria. A solução de todos os problemas está dentro de vós
mesmos. Tudo quanto posso fazer é auxiliar-vos e encorajar-vos para que vós
mesmos a encontreis. Por favor não espereis uma solução para o problema
imediato. Em resumo, um médico não trata simplesmente dos sintomas; precisa
conhecer a causa da doença, e, se o doente insistir em ser curado dos sintomas,
o médico não se entenderá com ele. Assim, eu quero tratar da causa da tristeza,
da causa da limitação. Fundamentalmente, para mim, a espiritualidade é a
libertação e somente sob este ponto de vista posso eu responder e não sob outro.
Isto posto, se quiserdes compreender e ter uma verdadeira perspectiva da vida,
deveis abstrai-vos impessoalmente do todo e daí examinar o todo. Se viverdes em
um vale e desejardes ver o cume da montanha, deveis afastar-vos à grande
distância para bem ver. Não podeis esperar ver o cume da montanha, enquanto
estiverdes sob uma sombra; e não obstante é isto que todos procuram fazer:
resolver as dificuldades da vida sob o ponto de vista do imediato! Para
resolver qualquer problema, especialmente o problema da vida, da tristeza, do
sofrimento, da dor, da limitação, deveis ver o final e focalizar o vosso ponto
de vista naquilo que é o remate, o gozo da vida, e desse ponto de vista tentar
resolver os vossos problema.
Krishnamurti
em Reunião de Inverno em Adyar