Pergunta: Dissestes ontem que a verdade não tem aspecto. Julgais,
então, que qualquer formulação da verdade é só do espírito?
Krishnamurti: Julgo. Para
mim a verdade é a vida; essa vida que é harmoniosa, rica e completa e que
funciona sem obstáculos neste mundo. Isto é o todo. Um circulo não tem aspecto.
Se um homem coloca-se só em um lado e não deseja ver o todo, esse aspecto limitado
lhe aparece como o todo; esse limite estreito, esta faixa do circulo torna-se
em aspecto total da verdade. Não é a verdade, é apenas um limite da verdade; e
para compreenderdes o todo, deveis ter a completa experiência da verdade. A
verdade não está oculta, em alguma parte da vida. A verdade, para mim, é a vida
de cada indivíduo liberto que movimenta sua completa capacidade, um espírito
que é livre, um amor que não está limitado nem corrompido por afeições pessoais.
Pergunta: A completa libertação do temor necessita da libertação de
toda a espécie de dependência exterior, incluindo a da dependência material.
Mas na situação atual das coisas, a interdependência é considerada inevitável
para a garantia da felicidade material do indivíduo. Assim, como excluir
inteiramente o temor?
Krishnamurti: Se
dependerdes simplesmente de vosso estomago, não tereis a felicidade da vida. Na
civilização moderna, o indivíduo não
pensa. Ele se torna apenas uma parte de uma enorme máquina. Se fordes
colhido por esta máquina, há o medo, há a repressão, e a vossa grandeza
individual está aniquilada. Mas se procurardes libertar-vos do medo, se
procurardes o vosso próprio desenvolvimento pessoal e grandeza, deveis
afastar-vos da máquina. Perguntar-me-eis: “Como faze-lo?” Como um homem na
prisão deseja liberdade, deseja ar puro? Ele não indaga, está sempre procurando
romper as paredes para fugir. Se receais ficar na miséria, devereis, então,
tornar-vos um dente da engrenagem da máquina, deveis tornar-vos uma parte
reunida ao todo. Mas, se disserdes: “Não me preocupa ficar na miséria, mas
farei o que julgar ser direito”, então
não sereis mais uma pessoa medíocre, estareis vos desviando da rota comum.
Muitas pessoas se desviam do mundo mecânico, mas desviando-se deste mecanismo,
criam forma própria, particular de mecanismo e este novamente os atinge.
Que vos interessa? Tornar-vos
parte desta máquina gigantesca, esta moderna civilização, que destrói o
indivíduo e a sua felicidade? — ou estais procurando vossa própria libertação e
por isso tornais livres os que vos rodeiam? Se pensais que devereis ser um
dente da engrenagem, Tornai-vos, então, um dente de engrenagem de primeira
qualidade. Se desejardes ser livre, destruí o mecanismo que vos cerca.
Desejais simplesmente
esquivar-vos da enfadonha luta da vida. Então, todas essas dúvidas existem e
não são dúvidas verdadeiras, mas questão de erros intencionais. Se desejardes
realmente descobrir, devereis fazê-lo com todo o vosso coração, com todo o
vosso espírito e estar preparado para sofrer. Sois todos tão respeitáveis! Tendes
medo de vossa família, de vossas mulheres, de vossos maridos, vossas mães,
vossos pais, vossos vizinhos, vossos “gurus”.
Então, como podereis encontrar a verdade que nada tem a ver com as pessoas, com
a sociedade, com a máquina? Devereis, se pudesse eu sugeri-lo, ter essa
pergunta sempre diante de vós: — Quererá, aquele que eu conduzir à liberdade,
dar-me energia vital para distinguir o essencial e colocar de lado tudo que não
é essencial?
Krishnamurti em Reunião de
Inverno em Adyar, 29 de dezembro de 1929