Pergunta: Em virtude do vosso apelo para não deturparmos o vosso
pensamento, muitos que desejam transmitir a outros as vossas comunicações
receiam francamente fazê-lo. Esperam que se lhes realize a perfeição individual
antes de poderem ir ajudar seus companheiros. É vosso desejo que ninguém, que
não seja vós, explique o que são o “Bem Amado”, “a meta”, o “caminho direto”,
etc.?
Krishnamurti: Então,
esperareis longo tempo e isso é também uma desculpa. Não façais isso tão assim superficial.
Que há de tão extraordinariamente estranho naquilo que estou dizendo? É porque
sois tão sem naturalidade que formais uma coisa natural como sendo desnatural,
como sendo complicada, como sendo sobre-humana, extraordinária; dai-lhe toda a
espécie de significados e interpretações. Um selvagem é muito simples.
Acredita, aceita qualquer coisa que lhe é apresentada sem pensar que é complicada,
intrincada e assim por diante. E, por outro lado, um gênio, um homem realmente
culto aceita a simplicidade do pensamento. Estais colocado entre os dois e
então isto vos parece tão difícil, quando é extremamente simples. Que há que
receais explicar? Tenho dito repetidamente que deveis ser gentil, realmente afeiçoado.
Que há para explicar em realmente amar a outrem com desprendimento?
Significa que deveis, antes de tudo, amar. Mas, se começais a explicar as
coisas que não compreendeis, então começa a confusão.
“É vosso desejo que ninguém, que não sejais vós, explique o que são o
Bem Amado, a meta, o caminho direto?” Certamente, não. De que serve ser eu
feliz, se sois infeliz? De que vos cale isso, se sois colhidos pela tristeza?
De que precisa um prisioneiro? Não precisa de explicações sobre a pureza do ar,
sobre a semelhança das árvores, ou como voam os pássaros; ele precisa é de ser
posto em liberdade imediatamente. A dificuldade que tem a maioria das pessoas é
que, apesar de estarem em prisões, não são sabedoras disso, e sendo incautas
consigo mesmas e, por conseguinte, com as suas circunstâncias, procuram, embora
longe, explicações que se tornam cada vez mais complicadas. Se houver uma
experiência que tenhais realizado, podereis explica-la muito facilmente se a
vossa mente for ativa, se estiverdes todo o tempo procurando compreender a
vida. Mas se
estiverdes vivendo por velha tradição ou estreita moralidade, então as
explicações não terão valor, porque não são vossas. Em resumo, não é
a meta, o Bem Amado, o que cada um de vós está procurando sempre? A
individualidade cria a perfeição, mas a individualidade não é coisa em si
mesma; é pelo frutuoso contato com a vida que a separatividade desaparece. Se
vierdes de novo a refletir real e sabiamente — o que há nisso para explicar?
Porque não o explicardes a outros? Claro está, que, se não acreditais nisso, se
não o sentis, a explicação torna-se difícil e não tem valor. Mas, se viveis uma
milionésima parte disso, e explicais o que estais sentindo, então tem valor
porque não podeis adulterar o que estais sentindo. O que é vosso podeis expor
profundamente, vastamente, sem limites, enquanto que se expuserdes alguma coisa
que é sentida por outrem, vossa explicação irá errada do princípio ao fim. Portanto,
senti primeiro e depois virá a explicação tão doce e benigna quanto
o voo de um pássaro do ninho. Mas, se não sentis e simplesmente falais, sereis,
então, como um animal quadrupede que não voa. É essa a razão pela qual se
houver dez pessoas que estejam realmente vivendo e explicando isso aos outros,
haverá um mundo diferente, um sorriso diferente, uma mudança de aspecto, uma
mudança de coração e não um simples movimento de lábios.
Krishnamurti em reunião de inverno em Adyar, 31 de dezembro de 1929
