Esta tarde quero tornar
perfeitamente claro que é o indivíduo que importa e não os grupos; e também que
é na mais alta inteligência que reside a verdade e que a verdade não pode por
modo algum ser “desnaturada”, reduzida, traduzida ou tornada aceitável para
homens que sejam fracos. Inteligência é a capacidade de discernir o essencial é
rejeitar o que não é. O estabelecer do que é essencial, eis a qualidade
superior da mente, eis o propósito do homem. Eu gostaria de sugeri-vos que, ao
passo que vou falando, deveríeis fazer experiências com o que vos estou
dizendo; isto é, não deveis meramente aceitar tudo, e sim, se achardes o que eu
digo razoável, bem equilibrado, considerado, então, após exame, toma-lo em
vosso coração e modificar-vos a vós próprios.
Não quero que isto seja meramente
uma conferência para a escutardes e depois vos afastardes para vossas casas com
um julgamento superficial que não tenha valor; porque, não estais aqui para
julgar-me e nem eu aqui estou para vos julgar. Sustento que um não pode julgar
a outro, especialmente se sua mente estiver imbuída de preconceitos. Se derdes
certas coisas por entendidas, se não houverdes cuidadosamente examinado e
sofrido no processo de experimentação e análise, vosso julgamento não terá
valor. Não estou dizendo isto por espírito de pretensão. Se tomardes o que vos
digo com clareza, com julgamento são, equilibrado, com a mente aberta capaz de
ajuizar impessoalmente, imparcialmente, podeis estabelecer por vós próprios um
padrão desinteressado — isto não são meras palavras que passam — para que, ao
passo que vos vou falando, a vós próprios possais modificar. Porque, no fim de
tudo, a única coisa que importa na vida é mudar, mudar radicalmente, afim de que, por meio de vossas experiências, por vós
mesmos descubrais a verdade. Não aceiteis coisa alguma, seja quem for que o
diga — quer os sábios do passado, as literaturas do passado, quer do presente —
porém estabeleceis por vós próprios, por meio do pensamento esclarecido e da
razão, qual o verdadeiro significado da vida, qual o verdadeiro significado de
todo o pequeno incidente de cada dia. De outro modo, desejareis a todo instante
fugir deste mundo de tumulto, de fenômenos, e por essa maneira buscar abrigo
desta luta, — o que significa estagnação.
Agora, naturalmente, numa
palestra como esta, deveis vos forçar por alcançar o significado das palavras
que eu uso e não ficar contentes apenas com o sentido literal. Isto é,
precisais recolher o significado pleno, o pleno entendimento do que estou
dizendo — o que há de implícito, embora não expresso em palavras, sentimentos e
pensamentos — e não meramente julgar pelas expressões que eu empregar, porque
se o fizerdes, desentender-nos-emos uns dos outros completamente. Vou usar de
palavras que não têm significado tradicional, que tem o significado ordinário
da vida diária, as que emprego a todo instante do dia.
Permita que aqui diga que vos não
estou pregando como propagandista, para vos fazer filiar a qualquer sociedade.
Não existem associações em espiritualidade. Não pode haver um sistema
individual para atingir a verdade, nem uma corporação religiosa que imponha ao
homem certos empreendimentos. Isto não é palestra feita afim de converter a
qualquer um de vós, porque a vida
converte a vida, torna-vos retos se fordes tortos. Se não estiverdes sofrendo,
a vida vos fará sofrer; se não fordes sensatos, a vida vos tornará sensatos; e
se não possuirdes emoções que vos revolvam e nutram, a vida despertará vossas
emoções, vosso afeto, vosso amor.
Vou me preocupar com o indivíduo,
porque é o indivíduo que constitui o mundo, e, enquanto o indivíduo estiver
colhido pela roda da tristeza, da angústia, do caos, tudo que ele fizer
acrescentará depois este caos, esta angústia, esse infindável desentendimento
que produz constante variação na luta. O indivíduo — isto é vós próprios — não
se pode desenvolver por meio de conformidade. Isto é, não vos podeis submeter a
nenhum sistema de pensamento, não podeis depender, para vosso crescimento
interior, — que é, no fim de tudo, espiritualidade — de outrem ou de quaisquer
dizeres de escrituras pertencentes a uma religião qualquer. Sei que todos haveis de discordar. Não me
preocupo com isso, porém deveis discordar arrazoadamente. Se vossa experiência
provar ao contrário do que estou dizendo, está bem, porque é com o vosso
desenvolvimento que me preocupo e não com os meus dizeres particulares. Se
pensais que o vosso crescimento depende da confiança que tiverdes em outrem,
podeis fazer experiências nesse sentido, dar vosso corpo inteiro, vossa
vontade, energia, entusiasmo a isso, lutar por isso. Verificareis, então, que
não é de muito valor. Existis, portanto, afim de que, como indivíduos, vos
possais desenvolver. É esta a única
razão pela qual a vida existe, pela qual vós, como indivíduo, vos encontrais no
mundo. Isto é, o indivíduo — vós — tendes de crescer de corrupção em corrupção
até que, como indivíduos, vos torneis absolutamente perfeitos.
Vou explicar-vos o que entendo
por perfeição, e não me servirei das palavras simplesmente pelo gosto de o
fazer. É de corrupção em corrupção, de estreiteza em estreiteza, de limitação
em limitação que cresceis até vos tornardes livres, até estardes absolutamente
perfeitos, imperturbados em vossa mente, incorruptíveis em vosso amor. Agora,
haveis de concordar mais ou menos com esta explicação. Haveis de sacudir
sabiamente vossa cabeça e ireis para casa dizendo que é isto perfeitamente
verdade. O abanar da cabeça, porém, não tem valor, nem o tem a mera
concordância. Se pensais que estou com a razão nisto que é essencial — não vos estou pregando
a revolução ou algo desse tipo — então todas as coisas não essenciais da
religião precisam desaparecer, para em vós próprios, serdes fortes o bastante
para resistir à pressão das circunstâncias exteriores. Se, porém, pensardes que
estou errado, então precisais lutar, não me deveis deixar falar. Não podeis
permanecer indiferentes, pois que a indiferença levará a maior tristeza e a
maiores calamidades. Precisais ser ativos no que pensardes, ser retos e
trabalhar para isto com pleno entusiasmo, com convicção, sem transigências.
Esta é a maneira de ser grande, quer seja em espiritualidade, quer seja no
mundo: possuir grandes ambições e estar pronto, com o próprio entusiasmo, com o
entendimento próprio, a sacrificar todas as ambições; não crescer, meramente em
indiferença, que é limitada. A conformidade mata a iniciativa. Precisais aprender
a pensar com independência e a vos manterdes sozinhos ainda que o mundo vos
julgue errados. Se simplesmente vos conformardes, então vossa iniciativa estará
morta. O desejo está constantemente buscando uma expressão. O desejo está
continuamente esforçando-se por se contrapor à limitação. O desejo somente pode
preencher a si mesmo na experiência, somente pode crescer por meio da
experiência, somente pode ser tornado vasto, imenso, limitado, por meio da
experiência. Ora, se vos conformardes a quem quer que seja ou com qualquer
tradição de pensamento e de emoção, então tal conformidade com a tradição, em
vez de vos desenvolver, como indivíduo, vos estupidificará. Portanto, para
poderdes crescer, precisais adquirir experiência. Esta é a lei única — se lei
existe — e a vida não tem lei nem filosofia.
A experiência é a coisa única eu vos
fará, como indivíduos, crescer até grandes alturas. Portanto, precisais estar descontentes com todo
estremecimento de pensamento, com todo o agito de emoção, com a tradição
que haja sido estabelecida. Tendes que possuir a capacidade de duvidar, afim de
descobrirdes por meio dessa dúvida, qual a verdade, aquilo que é essencial e duradouro.
Porém, o duvidar de todas as coisas exige força de inteligência e de pensamento
porque de manhã à noite tendes que incessantemente estar argumentando,
interrogando, instigando. Que é a vida senão um mero existir — ganhar dinheiro,
colher e rejeitar experiência, com todas as suas tristezas — qual o seu valor a
não ser que a vivais como um vulcão tremendo tornando-vos um perigo para tudo?
Para descobrirdes o verdadeiro
propósito da vida necessitais estar libertos de todas as tradições do
pensamento, sejam elas antigas ou modernas, estatuídas por outrem, mesmo que
esse outrem haja atingido a meta. No fim de tudo é o indivíduo que se encontra
faminto que se deve preocupar com a sua fome. Que valor tem o saber que alguém
está repleto e satisfeito se vos encontrardes famintos? A coisa essencial para
a descoberta da verdade é o descontentamento e a absoluta ausência de tradição,
o constante renovar da mente dia a dia, jamais aceitando nada que haja sido
estabelecido, porém sempre rejeitando, sempre ansioso, sempre novo na exigência
de saber. Precisais libertar-vos de embaraços de credos, religiões, de deuses,
e de todas as coisas superficiais, afim de encontrardes a vós próprios, afim de
por vós próprios encontrardes essa verdade — que é a verdade para todos — que é
a vida. Pelo fato de a perfeição estar em vosso próprio desenvolvimento, a
verdade reside na incorruptibilidade que é produzida por meio da corrupção. Tendes,
portanto, de verificar que o homem, como indivíduo, é absolutamente livre, que
a grandeza do homem consiste nisto: que ninguém possa salvá-lo, ninguém possa ajuda-lo
na espiritualidade, ninguém possa torna-lo puro quando ele é impuro, ninguém
possa conduzi-lo à perfeição quando ele, em si mesmo é corruptível.
O homem é absoluta, integral e
completamente livre. Quando ele verificar isto, não mais terá receio do que é
misterioso ou do que é conhecido. A todo o instante se encontrará ansioso por
experimentar, para recolher para si mesmo essa riqueza de vida que é o
preenchimento da verdade. Agora vós, pelo fato de serdes livres, estais por
isso mesmo impondo limitações a vós mesmos e, através dessas limitações, lutais
para despedaçar as barreiras que existem entre vós e a meta última que é
perfeição. Uma vez que tenhais verificado isto, se realmente lhe entenderdes o
significado, sereis formidáveis amanhã mesmo, porque estareis libertos de todas
as garras do temor. No fim de tudo, todos os vossos deuses, Mestres, gurus, existem em virtude da vossa
falta de conhecimento. Confiais em outrem para que vos auxilie, para que vos
guie; porém, a partir do momento em que não confieis em mais ninguém, a partir
do momento em que souberdes que sois absolutamente livres, a vós próprios
desenvolvereis sem ajuda de outrem. Então sereis como árvore para os céus. Não
vedes que, a partir do momento que vos atemorizardes, toda a confusão da vida
cresce ao redor de vós, todas as roupagens da religião são acumuladas e essa
confusão cresce cada vez mais? A partir do momento que estejais livres,
convidareis a experiência, pois que somente por meio da experiência podereis
crescer — a experiência no mundo fenomenal. Sem fenômenos a vida não pode
existir. Não podeis dividir a vida em espírito e matéria, ela é o conjunto de
ambos e para compreenderdes isto, necessitais, tendes que crescer por meio
daquilo que é objetivo, com o entendimento do que é subjetivo.
Isto não é uma conferência
metafísica para estimular vossos intelectos. A experiência é o método único por
meio do qual o homem pode crescer, e não existe outro terreno para dar força às
raízes, exceto o da experiência. Qual, portanto, o propósito da experiência?
Sem um propósito, a experiência torna-se caótica. Quando não sabeis para onde
ides, estais perdidos, fazeis perguntas, estais em dúvida, sobrevém o medo; porém,
a partir do momento que estejais certos, positivos em vossa afirmação de
descoberta, então convidareis toda a experiência a fazer de vós maravilhosa
morada que tenha seus alicerces na imortalidade. Qual, pois, é o propósito da
vida? Que é toda esta experiência que fere o vosso desejo operando
continuamente no sentido dele? Que é que continuamente estais buscando por meio
dessa experiência? O desejo busca libertar-se da limitação, da licenciosidade,
que é como uma cizânia lançada na água sendo ali batida de um lado para outro
lado. Para romper as limitações, o desejo preenche-se a si mesmo em toda a
experiência. Desejo é vida e esta vida que está em vós como indivíduo, está lutando para derrubar barreiras, afim
de poder incluir tudo em vez de excluir, porque, na exclusividade, reside a
corrupção. Se incluirdes tudo nessa vida, que é vós próprio, não haverá
superstição e daí, não haverá luta.
Por meio do esforço incessante
vem a cessação de todo o esforço — não a estagnação, que é coisa completamente
diferente. Quer isto dizer em vós, como indivíduo, estais continuamente
buscando fugir às limitações que a vida, que vós próprios colocais ao vosso
derredor, para por esse meio encontrardes felicidade e libertação. É isto que
todo indivíduo está buscando. O eu — consciência (self), o vós, o eu por meio da
experiência está buscando a incorrupção e, para chegar à incorrupção, necessita
de passar pela corrupção com um propósito determinado. Porque a corrupção existe
somente quando o ser — quando vós — estais pobres em experiência. Quando o ser
está rico em experiência todo-inclusivo, manifesta-se a incorrupção que é
perfeição. Portanto, a incorruptibilidade é o equilíbrio entre a razão e o
amor. Perfeito balanceamento, harmonia que não conhece perturbação: esta é que
é a verdade.
Não quero que aceiteis o que digo
porque eu afirmo que achei e atingi essa harmonia. Afirmo isso do mesmo modo
que afirmaria que está um lindo dia e por ser coisa que está ao alcance de todo
o indivíduo e todo o indivíduo ter de atingir esse preenchimento. Verificareis,
assim, que para tal verdade, que é o amor da Vida, que é a própria vida, não
pode haver caminho, por ser esta verdade inclusiva de toda experiência. A meta
a preencher para todo o indivíduo quer ele seja o mais quer o menos culto, o
mais inteligente ou o mais degradado e bárbaro, é a meta inevitável do homem.
Como tal meta não é posse
exclusiva seja de quem for, assim também não é sob a direção de pessoa alguma que
a haveis de encontrar. Este país, mais do qualquer outro é governado pelo culto
dos gurus. Pensais que a salvação se
encontra através de outrem, que a perfeição somente pode ser atingida pela
adoração de outrem, quando a verdade só pode ser descoberta e somente é atingível
por meio da perfeição própria e, para chegar a essa perfeição, precisais de
estar ricos em experiência. Para este fim, não necessitais de guia, não
necessitais de religião, não necessitais de sacerdote. Ponde tudo isso de lado
e realizareis a verdade do que eu digo. Não necessitais retirar-vos para a
reclusão afim de descobrirdes aquilo que vos rodeia e que está em cada grão de
areia, sob cada pedra, que está em cada um de vós e que é a própria vida.
Se este é o fim, então,
naturalmente, haveis de dizer: “Como poderei eu alcança-lo? Qual o meio de o
atingir?” Não existem meios, pois que é no desenvolver de vossa uniquidade, de
vossa particular grandeza, que chegareis à vossa meta. Isto é, tornais o fim e
os meios. Que estais fazendo — que se acha todo o indivíduo fazendo no presente?
Ele não tem conhecimento e, assim, mergulha na escuridão e provoca maior
confusão, maior superstição, mais dogmas, e acrescenta o panteão dos deuses
inumeráveis. Se, porém, por vós próprios souberdes disto com segurança, com
certeza, sem a menor sombra de dúvida, então começareis a verificar que o fim
cria os meios para ser atingido. Se estiverdes em um lugar escuro e virdes uma
luz à distância, naturalmente orientareis vossos passos para ela; ainda que
sofrendo, sangrando, com os pés retalhados, encaminhar-vos-eis para essa luz
única que vos proporcionará apoio eterno e segurança de propósito.
A experiência, torna-se, então, o
único instrutor. Então não precisareis mais de mediadores, porque estareis
estabelecendo dentro de vós mesmos esse espelho de verdade que não pode ser
obscurecido por nuvem alguma, que é absolutamente impessoal, que não pertence a
indivíduo algum, que, porém, é eterno. Somente por este padrão podereis julgar
vossos atos. Ninguém vos pode julgar, ninguém vos pode colocar em posição de
tristeza, exceto vós mesmos. Então, a vida, que está em cada incidente,
torna-se o vosso instrutor, todo homem se torna vosso guia, o que é muito maior
e magnífico do que ter um guia em algum lugar misterioso. Um guia vivo, que é o
próprio homem, é de maior importância do que os instrutores mortos do passado.
O propósito desta vida que se há
de preencher a si mesma na perfeição, na libertação do jugo da experiência,
sendo conhecido, todo o incidente, todo o movimento de pensamento, cada estremecimento
no homem torna-se um patamar para a verdade. Então estareis apercebidos,
constantemente vigilantes; então comparareis aquilo que é passageiro com aquilo
que é eterno, tornar-vos-eis o vosso próprio juiz, o vosso próprio salvador; a
vida torna-se infinitamente simples. Então, em vez de acrescentardes o caos que
já existe, produzireis a ordem e a segurança. Então os fortes não ficarão a
cavaleiro dos fracos. O mundo inteiro mudará, se viverdes no mundo do eterno.
Deste mundo é que tendes de operar para o mundo objetivo — não do objetivo para
o subjetivo, não do fenomenal para o que é perdurável. Sabendo o que é eterno,
qual o propósito da vida, tendes que viver neste mundo de fenômenos; não podeis
fugir dele. É aqui que haveis de produzir a ordem, é aqui que precisais
estabelecer a verdade que é eterna, não longe do mundo fenomenal.
Tomai um exemplo: no coração de
todo o ser humano, por fraco, bárbaro, civilizado ou intelectual que seja,
existe o afeto; ele é o perfume do coração de todo o homem. Se seguirdes o
processo do preenchimento, da incorruptibilidade do amor; a que é que isto
conduz? A tornar-se-á semelhante ao sol, ou semelhante ao perfume de uma flor
que a todos se dá sem pensar em diferenças. Este é o preenchimento do amor. Se
souberdes isto, mesmo enquanto estais nas garras do amor corruptível, limitado,
então podereis lutar para despedaça-las. Isto significa que necessitais começar
a amar ao eterno, dessa maneira eterna agora
e não num futuro distante. Uma vez mais vos digo, para o homem que está triste,
não há futuro nem passado; ele deseja extinguir imediatamente a sua tristeza.
Quando conhecerdes aquilo que é perdurável, que não tem variação, que não é
relativo, que não tem superstição, que é a verdade, a harmonia entre a razão e
o amor, então podereis agir. Todo o pequeno incidente vos fortificará, será
como um patamar para uma verdade maior, para essa felicidade que é duradoura.
Krishnamurti em palestra no
Acampamento da Estrela de Benares, 19 de novembro de 1929