Pergunta: É para todos o caminho direto ensinado pelo Instrutor, ou por
outra, pode ele beneficiar a todos?
Krishnamurti: O
entendimento da vida é o caminho único, e este caminho está dentro de vós
próprios — não fora — e, naturalmente, este caminho é para todos e quero fazer
com que as pessoas pensem por si mesmas. Quero que por elas próprias
contrabalancem as coisas, não para uns poucos privilegiados, isto é, para os
inteligentes, os devocionais, os místicos, os ocultistas ou os cientistas. É
para todos. É pelo fato de em vossa mente haverdes confundido a vida com a
crença que possuis todas essas inúmeras complicações.
Pergunta: Como pode tal explicação ser conciliada com o fato de,
achando-se as pessoas em diferentes estados de evolução, exigirem ensinos
separados?
Krishnamurti: Por que se
exigem esses ensinos separados? Estais vos tornando diferentes do resto da
humanidade, dividindo as pessoas em superiores, inferiores e vulgares. O homem
ordinário quer ser feliz como vós outros também o quereis. Qual, pois, a
diferença? A pessoa vulgar quer escapar ao tédio da estreiteza, das limitações da
vida. Assim vós, também. Se consultardes a pessoa vulgar, ela exprimirá os
mesmos desejos que vós alimentais. Provavelmente, pelo fato de estardes fora de
contato com a pessoa ordinária do mundo é que imaginais estar em nível
diferente. Pelo fato de serdes portadores de certos rótulos — teosofistas,
hindus, budistas, cristãos — é que pensais que por certa maneira misteriosa,
sois diferentes dos demais, que subitamente haveis sido modificados pelo fato
de vos haverdes filiado a certas associações. Sois exatamente iguais a todo o
homem que encontrais na rua. Necessitais de compreender a vida, exatamente como
o homem a quem encontrais nas ruas o necessita e é esta uma razão suficiente
para terdes sentimentos amistosos para com todos.
Pelo fato de o Bem Amado aqui
estar, o tempo, em si, de momento, desapareceu. Quando caminhais em direção à
Verdade, o tempo conta-se e Karma é criado. Quando, porém, fordes capazes de
estabelecer a verdade por vós próprios em vosso coração e em vossa mente e a
vós próprios identificardes com ela, o tempo cessa de existir. Agora que está o
Bem Amado convosco, a meta corporificou-se e de vós se aproxima. Daí, se
fosseis capazes de aceitar o Bem Amado — não cegamente, nem por maneira
mesquinha, não insensatamente nem por causa da autoridade — o tempo
desapareceria e isto aplica-se a todos, seja qual for o estágio de evolução,
seja qual for o estágio de experiência em que se encontrem.
Pergunta: Não faz parte das experiências dos que sobem montanhas, ao
alcançarem o topo, fazerem comentários acerca do caminho serpenteante que
tiveram de seguir para alcançar o cimo e indicar um caminho mais direto? Porém,
vulgarmente, é impossível obter um roteiro sobre o caminho que parece mais
direto. Quereis dizer que haveis seguido o caminho dos gurus até certa altura e
depois haveis por vós mesmo aberto um novo trajeto até o cimo?
Krishnamurti: Eu caminhei
ao longo do caminho pelo qual vós ides com os vossos mediadores, os vossos gurus, as vossas cerimonias, os vossos
templos, as vossas limitações. E pelo fato de haver passado por toas essas
coisas, digo, “deixai-as de lado”. Pelo fato de haver sofrido e ter sido
colhido em cativeiro, vos digo: “Ponde de lado essas coisas; elas, realmente,
não auxiliam; não vos proporcionam amparo eterno em vossa força. Deixai que
esse cimo da montanha, essa verdade absoluta, sem princípio nem fim seja o
vosso guia durante todo o tempo em que estais lutando no vale”. Este é o
caminho direto, porque não atraiçoa a verdade.
Pergunta: Que parte desempenha o Instrutor no progresso do discípulo?
Será ele indispensável?
Krishnamurti: Que papel
desempenha um marco para o pedestre? O marco aponta o rumo. É este o papel
único que qualquer Instrutor pode desempenhar. Estais limitados pelas vossas
tradições de instrutor e discípulo, pela ideia de que o Instrutor dá algo que o
aluno tem de aceitar. Um Instrutor verdadeiro, não dá nunca; ele explica, mostra o caminho. Se uma pessoa de pouco
entendimento para e adora no santuário de um marco da estrada, aí ficará por
muitas vidas até que o sofrimento o venha propelir para adiante.
Se estiverdes confusos e não
souberdes que estrada tomar, é preciso que haja um posto sinaleiro para vós.
Pergunta: Como se pode ser um poste de sinal em um caminho que se não
houver ainda trilhado? Pois não dissesteis haver seguido pelo caminho dos gurus
e que ao chegar ao cimo da montanha avistasteis um caminho mais simples e mais
reto?
Krishnamurti: Amigo, o
caminho que eu trilhei cada um de vós o está trilhando também. O caminho direto
que eu trilhei vós o haveis de trilhar quando deixardes de lado os caminhos que
conduzem às complicações. Somente este caminho vos proporciona o entendimento
da vida. Precisais de postes de sinal ao longo dos caminhos que levam à
confusão; se, porém, estiverdes trilhando o caminho reto, o caminho direto,
precisareis de postes sinaleiros. Haveis de necessitar de vossos gurus, de vossos mediadores, neste mundo
de confusão, porém deixa-lo-eis de parte se estiverdes trilhando o caminho direto que está dentro de
vós próprios.
Pergunta: Que deve fazer alguém que vos queira seguir?
Krishnamurti: Seguir a si
mesmo. O que eu atingi é o que todos desejam atingir. No coração de todos está
o desejo da felicidade e da libertação. Se seguirdes este desejo, se — quando
vos houverdes resolvido — escudardes o vosso coração contra todas as coisas
mesquinhas e não essenciais, atingireis a vossa meta. Esta é a maior das coisas
que possivelmente vos e dado fazer, pois que, deste modo, encontrareis a
libertação e a felicidade. Se me seguirdes, tempo virá em que estareis cativos de
mim e de mim tereis que vos libertar. Assim, será muito mais fácil, se desde o
começo, seguirdes a vós próprios, pois que vós e eu somos um.
Pergunta: Como todas as qualidades são necessárias para o pleno
desenvolvimento da vida, não é a devoção, no sentido do amor a um ser superior,
necessária para esse desenvolvimento? E pode esta devoção ser evocada sem a
concepção de um Guru, Mestre ou Deus?
Krishnamurti: Por que é
que não vos é possível vos enamorardes com a Vida? No fim de tudo a vida é a
meta. E se possuirdes amor e devoção pela meta, todas essas muletas vos serão
desnecessárias. “Deveis sentir amor e devoção”. Mas não se trata de uma questão
de “deveis sentir”, essas coisas aí estão, semelhantes ao aroma de uma flor.
Por que é mais difícil sentir amor e devoção pela meta eterna do que por um
mediador? É que sois colhidos em vossas próprias criações, em vossas próprias
meias verdades, em vossos próprios deuses. E a um homem que vos quiser mostrar
como haveis de ser livres, como haveis de estar em amor com o eterno a esse vós
rejeitais, dizendo “Isso é muito difícil”.
Sustento eu que enquanto tiverdes
a vossa própria devoção dirigida a mediadores e interpretes, tornar-se-á para
vós mais difícil e complicado o possuir o simples entendimento da vida. Não me
digais, “Não haveis vós possuído estas coisas?” Pelo fato de as haver possuído é
que vos digo “Não vos deixeis colher nesses abrigos cujos enfeites vos convidam
à fácil estagnação e ao conforto fácil. Ficai, antes, de fora, nos espaços
abertos e enamorai-vos da vida”
Pergunta: Dizeis: Não me cultueis — porém precisamos amar alguém que
ame a verdade, e não é todo o amor uma espécie de culto?
Krishnamurti: Não me
cultueis a mim, porém sim a “Verdade”. Aqueles que amarem a verdade, amarão a
todos, inclusive a mim. A verdade não pode ser condicionada por um ser, ainda
que esse ser haja atingido a plenitude da verdade — como eu a atingi. Se
meramente cultuardes a forma que contem a verdade, a verdade em sua plenitude,
em sua magnificência, em sua grandeza, se esvaecerá e sereis abandonados como
uma casca vazia. Se adorardes essa verdade que está em cada um, amareis a
todos. É pelo fato de imaginardes que essa verdade está longe, condicionada em
um ser, que, ao passo que olhais para cima, para aquilo que está longe,
caminhais sobre aqueles que se acham colocados em vosso caminho.
“E não é todo o amor uma espécie
de culto?”
Palavras! Que diferença faz o
amardes e chamardes a isso culto? Ou o cultuardes e chamardes isso de amor?
Desde que estejais cheios de pureza, da nobreza, da tranquilidade do amor, tem
acaso importância o nome que lhe deis? Se estiverdes enamorados por essa vida
que é comum a todos os homens, essa vida na qual existe unidade, não
necessitareis de todas essas atrações exteriores para culto.
Pergunta: Em certos lugares dizeis, “segui-me”. Outras vezes dizeis “Não
quero seguidores”, quero somente ser vosso companheiro. Como explicais isto?”
Krishnamurti: “Segui-me”,
não fisicamente, porém, com entendimento, segui-me com vossa mente e coração.
Digo que não quero seguidores. Os que forem meros seguidores serão inúteis,
porque não terão capacidade, nem entendimento próprio.
Pergunta: Todos os homens hão de concordar em que é a felicidade que
eles desejam, porém, a felicidade eterna da qual falais seria irreal, se não
fosse o fato de, pelo vosso atingimento, vermos essa felicidade corporificada.
Daí, a vossa personalidade torna-se de vital importância. Não é, então, a
personalidade do Instrutor do Mundo necessária afim de percebermos a meta?
Krishnamurti: Nem todos
os homens haveriam de concordar em que a felicidade — é o que eles desejam.
Eles desejam uma felicidade que é transitória. “A felicidade eterna de que
falais seria irreal se não fosse pelo fato de, pelo vosso atingimento, vermos
essa felicidade corporificada”. Sinto que assim seja, pois sempre me esforcei
por mostrar que o instinto de adorar, é uma limitação. Amigo, se olhares para
dentro de teu coração e mente comdesapego, quererás essa verdade, invariável,
incondicionada da qual eu falo e que é o preenchimento da vida, e não por causa
do que eu digo. Somente estou despertando em vós esse desejo, estou somente
desbravando-o das ervas daninhas que cresceram sobre ele e o abafaram.
“Daí a vossa personalidade torna-se
de vital importância”. Contesto isso. A vida é que se torna de vital
importância, essa vida que em mim se consumou. Esta vida desperta a vossa vida
e vos faz amar a vida — não a personalidade que contem a vida. Se cultuardes a
personalidade, estareis meramente adorando um retrato em uma moldura, e
perdendo de vista a verdade vasta que está por detrás do retrato: a verdade que
não pode ser condicionada, que não tem começo nem fim.
“Não é a personalidade do
Instrutor do Mundo, então, necessária, afim de que percebemos a meta?” Eu digo
que podeis perceber a meta sem interferência de nenhum indivíduo. Pelo fato de
sempre haverdes percebido a meta através de indivíduos, é que haveis “desnaturado”
a verdade e estrangulado a vida, e daí o manifestar-se a tristeza, a luta, a
desordem e a confusão. Ao passo que, se percebêsseis a meta, não através de
outrem, mas pela purificação de vossa própria mente e coração, então não atraiçoaríeis
a verdade; assim, pois, não necessitais de personalidades, sejam elas quais
forem. No culto da verdade condicionada, limitada, existe sempre a tristeza,
porém se amardes a vida e permanecerdes em sua corrente plena, jamais haverá
tristeza, dor, ou variantes mutáveis de gozo. Podeis dizer, “Isso é simples
para vós, mas não é tanto para mim”. Isso tornou-se simples para mim. Eu
achava-me tão condicionado, lutei tanto quanto vós outros. Tomei refúgio nas
mesmas sombras, nos mesmos confortos, nas mesmas modalidades passageiras de
felicidade, assim como vós e, pelo fato de haver passado através dessas coisas
todas, digo que não precisais passar por esses estágios em que a verdade é
transformada para alcançar o vosso entendimento. Existe uma via que é mais
simples.