Até o momento presente, Krishnamurti tem-se mais particularmente se dirigido a um auditório especializado, composto, na maioria, dos membros da Ordem da Estrela, imbuídos de doutrinas teosóficas. O público não se deu ao trabalho de diferenciar o rótulo teosófico mascarando e explicando tudo. Precisamos, portanto, citar aqui certos fatos da vida do Sr. Krishnamurti, que podem explicar a situação. Filho de um Brâmane teosófico do sul da Índia, foi ele, de fato, “descoberto” pelos guias da Sociedade Teosófica e adotado junto com seu irmão Nytyananda, pela Dra. Annie Besant.
Foi, portanto, em uma atmosfera teosófica e rodeado por teosofistas que ele passou sua adolescência. Seu primeiro livrinho, Aos Pés do Mestre, agora famoso, data desse período e é frequentemente citado para enfraquecer ou interpretar mal suas palavras de hoje. Em um recente e admirável panfleto intitulado Quem Traz a Verdade, ele próprio descreve todas as influências que por sua vez, atuaram sobre seu espírito. Sua mãe adorava Shri Krishna e frequentemente falava dele, e esse Deus foi, portanto, a divindade de sua infância. Depois, sob a influência teosófica — os Mahatmas tomaram para ele o primeiro lugar; em seguida foi o Senhor Maytreya; e depois, finalmente, o Buddha, até esse dia em que no começo de 1927 ele encontrou a si mesmo.
Se nos dermos ao trabalho de nos desembaraçar desses diversos elementos, de todos esses lugares de paragem, de todas essas escadas, não mais nos sentiremos tentados a confundir o Krishnamurti de hoje com o Krishnamurti de há dez anos. Sim, houve um tempo em que um Hinduísmo reformado chegou a interessa-lo e em que ele forçou a si próprio para propaga-lo, falando nos templos dos Hindu “liberais”. Isto de maneira alguma o impede hoje de pensar que todas as fórmulas religiosas são desnecessárias e, na realidade, prejudiciais para a busca da Verdade. Se, em certos momentos, certas concepções teosóficas o convenceram, hoje, ele passou uma esponja em toda a ideia de segunda mão, em todo o ensinamento formalístico, em tudo aquilo que por si mesmo ele não descobrira, em toda a ideia preconcebida, quer estivesse ou não colorida pela Teosofia.
Como se poderia esperar que um círculo tão especializado, acostumado a pensar de certa maneira — não diremos evoluísse tão rapidamente quanto ele, isso seria impossível — porém que pudesse mesmo estimar em seu valor real tais mudanças? Uma tradição esotérica, o respeito por uma certa hierarquia espiritual, ideias de ocultismo, tendências místicas, voltaram a atenção de todas essas pessoas em uma certa direção que absolutamente não converge com a de Krishnamurti hoje em dia. Resultou daí, como é natural, uma profunda perplexidade.
Onde encontrar a Verdade? Esta pergunta atormentou os membros da Ordem da Estrela. Deveria ser encontrada nos ensinos daqueles reconhecidos como autoridades por tantos anos? Ou nas palavras deste jovem indicado por essas mesmas autoridades como um ser superior? A escolha era despedaçadora. A tentação a condescender, muito forte. Muita gente começou a explicar a situação, pata atender à sua própria satisfação. Isto é, encontraram consolo na interpretação de suas palavras. Krishnamurti insistiu na necessidade de dispensar os Mestres, os Mahatmas, os gurus e mediadores, afim de encontrar essa Verdade que todo o homem deve atingir por si mesmo e sem o apoio de outrem; “Estas palavras precedem o seu pensamento a ponto de o traírem”, explicam, e dizem, “olhai para o seu primeiro livro, Aos Pés do Mestre, do qual somente o título é suficiente para corrigir a estreiteza”.
Rodeando a Krishnamurti, perseguindo-o com sua falta de entendimento, suas interpretações, essas pessoas, cegas e surdas, fizeram todos os esforços para não reconhecerem sua grandeza. Forçavam-no sempre a retroceder a si mesmo, sobre afirmativas repetidas um milhar de vezes, sempre propondo-lhe as mesmas perguntas relativamente à sua luta interna, decidindo, antecipadamente, que nada seria resolvido, porque, achando-se ocupados unicamente com o encontrar justificativas para suas transigências, jamais renunciariam às suas interpretações; ou ainda, com perguntas insidiosas, ocultas sob raciocínios especiosos, preparavam-lhe um armadilha! Estes vexames incidem pesadamente sobre as palavras de Krishnamurti. Isto explica porque certas controvérsias ocupam tão amplo lugar, e projetam luz também, sobre certas atitudes adotadas por Krishnamurti as quais, em sua luta pela independência e seus contínuos esforços para libertar-se da hipocrisia, da estreiteza e da estupidez, que o cerca, tem gasto muito de sua energia.
Agora, que a Ordem da Estrela foi banida e em grande proporção as barreiras interpostas entre ele e o mundo caíram, novos problemas, indubitavelmente se lhe apresentarão. Entrementes, deixando de lado tudo quanto em suas obras se refere a antigas controvérsias, examinaremos os pontos cardeais daquilo que até o presente ele nos deu.
(continua)