Desejaria acentuar que, para
receber uma resposta correta, deveis fazer a pergunta corretamente. A pergunta
reta vem, se realmente estiverdes confusos, se realmente estiverdes inquirindo,
se estiverdes ansiosos por descobrir. Meras perguntas superficiais,
intelectuais, de argumentação, não têm
valor. Estais aqui para descobrir se o que eu digo tem algum valor e, se o
tiver, estão terá propósito, e será essencial para a vida de todos. Por isto é
que me endereçais perguntas e somente nesse espírito eu as responderei. Não
estou aqui para discutir sintomas, porém sim a causa da tristeza, a qual,
quando examinada, nos proporcionará a cura adequada para todos os sintomas.
Quando ides a um médico ele vos faz perguntas acerca dos sintomas, se, porém,
for um médico sábio, não curará os sintomas e sim a causa da doença. Não se
pode curar uma doença qualquer, especialmente o mal da infelicidade e da
tristeza, meramente pelo tratar dos sintomas. Para compreender a causa é
preciso ir até ela pelos sintomas, removendo o que não for essencial e sempre
com grande cautela, com persistência firme, apegando-se firmemente ao essencial
que há de curar. A dificuldade para a maioria das pessoas é existirem tantas
coisas não essenciais rodeando-as, em que tais pessoas são colhidas, e
requer-se então grande inteligência para viver segundo o que é essencial e
descobrir o que é essencial.
Pergunta: Não pode alguém, realmente, ajudar a outrem a não ser que ele
próprio tenha atingido a libertação?
Krishnamurti: É a mesma
coisa que perguntar, “Não se pode amar e sofrer enquanto dura o processo do
atingir?” Fazeis do atingimento, da libertação, algo de longínquo, algo a ser
alcançado no futuro. Ora, para o verdadeiro pesquisador não existe futuro. Se estiverdes famintos, não direis: “Hei de
comer depois de amanhã”. A libertação não é coisa para ser atingida num futuro
distante, acha-se onde agora estais. É vós próprios. No processo de atingir reside a verdade, não na finalidade. No processo entrais em contato com toda a
gente — o que é vida — e no assimilar, no descartar-se, no compreender esta
vida que vos rodeia, encontrais a libertação. A ideia de auxiliar os outros é
inata. Se fordes bons, ajudareis; se o não fordes, não ajudareis. Fazeis do
ajudar aos outros, uma condição. Se estiverdes dentro do que é reto,
auxiliareis automaticamente. Quando a rosa desabrocha, não diz: “Vou
proporcionar beleza”. Ela não pode deixar de fazê-lo. Com a rosa dá-se um
processo inconsciente, que conosco tem de se tornar consciente. A partir do
momento que sejais belos, ajudareis automaticamente aos outros e, na pesquisa pela
beleza, não podeis deixar de prestar auxílio aos outros. O ponto essencial é
que sejais belos em tudo, em vossa visão da vida, em vossa esperança, em vossas
crenças e em tudo que fizerdes. Nessa tentativa prestareis ajuda automaticamente.
Não deverá, porém, ser esta a razão pela qual buscásseis a beleza. Deveis buscar
a beleza pelo seu próprio valor intrínseco. A não ser assim, tornais a beleza
uma coisa condicional a ser atingida mediante o auxílio de outrem.
Pergunta: Não é o auxílio aos outros uma circunstância que precede o
atingir a verdade?
Krishnamurti: É esta uma
pergunta que tende a ser desentendida se eu a responder, porém, só posso
responde-la deste modo: — Se estiverdes produzindo a incorrupção dentro de vós
próprios, não podeis deixar de auxiliar a outrem. Não existe outro processo.
Pergunta: Posso eu atingir, em qualquer momento, sem auxílio, qualquer
que ele seja, do exterior, se assim eu o desejar?
Krishnamurti: Naturalmente.
Não estais todos vós famintos? Não sofreis, todos vós? Não tendes, todos vós,
aborrecimentos, perturbações, invejas, ciúmes? A partir do momento que chegueis
a produzir a produzir a calma e a tranquilidade, tereis estabelecido a verdade
por vós próprios, mas precisais possuir o impulso necessário, o entusiasmo, o
interesse, o apercebimento para examinar tudo. A espiritualidade, a realização
da harmonia, é para todos. É semelhante à luz do sol que é para todos; porém,
depende do indivíduo a maneira de utiliza-la. Quando o sol brilha, o lótus
incuba seu lindo botão e a semente incuba seu ‘rebento’. Não é isto por culpa
do sol. Do mesmo modo na libertação, a verdade é para todos, mais isto depende
do indivíduo, do quão entusiasta, do quão ardente, do quão ansioso, do quão em
chamas ele se encontra internamente para descobri-la.
Krishnamurti no Acampamento da Estrela em Benares, em 9 de novembro de 1929