Naturalmente, quando não existe
suficiente interesse ou desejo ansioso de procurar da vossa parte, é-me muito
difícil palestras todas as manhãs; inventar algo de novo. Compreendeis que deve
ser assim. Não posso de minha própria mente, inventar novas ideias, porém posso
continuar, uma vez e outra, a descrever a mesma coisa sob um ponto de vista
diferente. Será, porém, sempre a mesma a realidade fundamental.
Se, por outro lado, de vossa
parte existisse a ansiedade real para atingir a percepção de novas ideias e de
lutar por elas, então haveria cada vez mais que tomar e não cada vez menos. A
partir do momento que inventeis ideias, elas se tornam teorias e nada têm que
ver com a vida ordinária de todos os dias, e eu de maneira alguma me preocupo
com ideias teológicas, com o inventar de novas concepções ou o criar de novos argumentos.
Assim, tendes que vir aqui ansiosos de compreender, como eu estou desejoso de
dar. Não pode ser negócio unilateral. Não vos posso satisfazer se não quiserdes;
se não tiverdes forme de nada vos servirá tomar uma refeição. Se, porém,
tiverdes fome encontrareis bastante satisfação no alimento para vos sustentar
durante o dia todo. Assim, pois, não deixeis tudo à mim: não espereis que vos
satisfaça. Quanto mais fundo mergulhardes o vaso de vosso desejo no poço do
entendimento, tanto mais tereis capacidade para receber. O que sinto no presente,
é que não há suficiente ansiedade, vital
interesse. É um mero aflorar à superfície.
Se, de vossa parte houver o
desejo de colocar em prática uma ideia daquelas de que vos falo, então
verificareis por vós próprios as formidáveis possibilidades, o que há de implícito,
os significados meio ocultos que, para uma consciência não reflexiva,
proporcionam apenas um entendimento superficial. Assim, tendes que
aproximar-vos do que eu digo com mente ansiosa, ponderada e ardorosa.
Como disse outro dia, aquilo de
que falo não é o resultado da leitura ou do assistir a reuniões, de ler livros
e ouvir conferências. Não é, portanto, uma dedução à qual tenha chegado após
haver examinado várias teorias, vários arrazoados. Para mim isto nasceu de
minha própria experiência; e daí sustento que aquilo que digo não é impessoal,
é universal. Relaciona-se com a própria vida; e daí o ser aplicável a todo o
momento de nossa existência, o ser prático e capaz de ser vivido, isto é,
realizável.
A definição tem valor somente
quando vos proporciona a oportunidade de olhar através para ir mais além. Esta
é a característica principal da definição; não é um fim em si mesma. Assim,
esta manhã vou tentar descrever, definir aquilo que, realmente é indescritível
e indefinível; para colocar em palavras aquilo que somente é verificável quando
se tem uma mente plácida, maleável, ardente, despojada de todos os objetivos e
pontos de vista de natureza pessoais. É preciso, em absoluto, não ser teimoso,
não ser apanhado pelas opiniões. A vida é criação e não se pode aplicar a
criação às palavras “Felicidade” ou “Infelicidade”. A vida é criação, é movimento
e nela existe a manifestação e não-manifestação, fenômeno e não-fenômeno.
Assim, não vos aproximeis do entendimento da vida imbuídos de quaisquer
relações qualitativas, circunstâncias especiais e atributos. Por isso é que eu
disse que, para entender a realidade última, a finalidade da vida, a própria
vida em si, tendes que vir a ela com mente liberta de todos esses atributos e
qualidades. A vida é criação e a Natureza esconde a vida — isto é, toda a coisa
que existe em manifestação oculta, a vida em si mesma. Quando esta vida na Natureza
se desenvolve e se torna concentrada no indivíduo, então é quando a Natureza se
consome a si mesma. (Isto não é teoria; podeis pensar sobre isto e haveis de
verificar). O destino é a função da Natureza em conjunto, e criar o indivíduo
autoconsciente, que conhece os pares de opostos, que sabe ser ele próprio uma
entidade em si mesmo, consciente e separada. Assim, a vida, na Natureza, por
meio de seu desenvolvimento, torna-se autoconsciente no indivíduo concentrado e
desperto. Isto é, um ser separado — um indivíduo autoconsciente que sabe ser
diferente de outrem, no qual existe separação de “tu” e “eu”. Quando esta vida
autoconsciente no indivíduo, presa no cativeiro das limitações, conhece a
separação de “tu” e do “eu”, do objeto e do sujeito, se houver libertado dessas
limitações, alcança o fim, preenche a si mesma. Portanto, autoconsciência é
esforço. Se não puserdes em prática o esforço, se não houver esforço contra a
limitação, não mais haverá autoconsciência e individualidade. A individualidade
é imperfeição; não
é uma finalidade. Quando a individualidade se houver preenchido a si
mesma por meio do esforço incessante, destruindo, despedaçando as paredes da
separação, alcança essa sensação do ser sem esforço; então a autoconsciência no
indivíduo realiza o puro conhecimento
no qual não existe nem sujeito nem objeto.
Meu ponto de vista, é que
precisais, em primeiro lugar saber em que sentido a vida se orienta — e por
vida entendo eu essa existência individual que alcança o seu fim na libertação.
O homem que conhece a separação é apenas o sujeito que é limitado e nele o objetivo não foi ainda realizado. Ele
tem que aperceber-se da direção em que a vida labora, qual o seu propósito; de
outro modo a experiência não teria significado, a criação não teria
significação e nem tão pouco a perfeição e a iniquidade. Se esse indivíduo no
qual existe a consciência da separação, de sujeito e objeto, não compreende o
propósito da vida, torna-se mero escravo da experiência, para a criação. Assim,
meu objetivo é, em primeiro lugar o fazer compreender o propósito da vida,
compreender a direção a qual estais lutando, e depois fazer utilizar toda a
experiência, toda a emoção, todo o pensamento, para vos fortificar e para
desfazer este véu de separação.
Para o indivíduo autoconsciente
existe sujeito e objeto e o objeto torna-se uma entidade distanciada para o
qual ele olha pedindo auxilio, a quem proporciona sua adoração, seu amor, seu
afeto, todo o seu ser. Não estão todos fazendo isto? Para o indivíduo separado,
a vida torna-se em sujeito e objeto, porém a finalidade da vida, o
preenchimento da vida é realizar a totalidade do conjunto — o ser não objetivo,
não subjetivo — que é PURA VIDA. Assim,
é na subjetividade do indivíduo que o objeto realmente existe. No indivíduo
estão o começo e o fim. Nele está a totalidade de toda a experiência, de todo o
pensamento, de toda a emoção. Nele está toda a potencialidade e a sua tarefa é realizar
essa totalidade no subjetivo; isto é, em sua própria consciência.
A finalidade da vida, então é,
por meio de uma série de esforços — todos os dias, a cada minuto, e cada
segundo, — chegar a esse PURO SER que
é desprovido de esforço — o qual é desconhecer o sentimento de separação da
consciência individual. Pois que a consciência individual é esforço. Quando
verificais que dentro de vosso próprio eu reside todo o universo — o universo
da VIDA¸ não da manifestação — então
pelo exteriorizar-vos, inevitavelmente voltareis à fonte de toda a existência
que está em vós mesmos. Daí, este PURO
SER, esta PURA VIDA, é toda integrativa: posto que fora dela exista
tempo e espaço, nela em si mesma tempo e
espaço não existem.
Assim, o PURO SER, a VIDA, está para além do tempo e do espaço e, achando-se
para além, é imperturbável, tranquilo, sereno e de felicidade plácida. Á partir
do momento que dependais de tempo e espaço há limitação e infelicidade. Este PURO SER que é impessoal, posto que não
seja pensamento nem emoção, posto que não seja desejo é, no entanto, o fim do
desejo, a meta do pensamento, a finalidade da vontade. É intuição. A intuição, posto que
não seja pensamento, nem emoção, é, no entanto, a finalidade e a meta de ambos.
Esta PURA VIDA é impessoal; porém,
tendes que a ela chegar por meio do esforço pessoal, mediante a purificação do pensamento e da
emoção. O PURO SER não se
encontra nas coisas externas, objetivas, porém sim em nosso próprio ser; o
buscar o vosso verdadeiro ser implica incessante esforço e constante
apercebimento.
Quando houverdes alcançado o PURO SER, a PURA VIDA, entretanto — quando houverdes encontrado a verdade sem a
qual não vos podeis aproximar de caminho algum — então tereis obtido a cessação
do esforço; então vereis pela pura intuição, a qual se encontra potencialmente
em todo o indivíduo autoconsciente. Pela contínua conquista, pelo entendimento
de vossos anseios internos, das vossas paixões, das vossas esperanças, dos
vossos desesperos, de vossas pesquisas vãs e do vosso desejo de ser consolado e
confortado, — pelo desgaste destas coisas gradualmente, chegais à vida liberta que é felicidade, que é o lugar de
moradia da pura intuição e da pura
ação. Toda a vez que objetos vierem a ser apresentados à vossa intuição ela
dará sempre a resposta correta. Uma vez que tenhais entendido o propósito da
vida — por objetiva que ela seja ao começo, por exterior que ela seja a vós em
princípio — a todo o instante estareis vigiando, apercebidos, auto-recolhidos,
afim de utilizardes toda a experiência e todo o pensamento como um meio para
guiar-vos em direção àquela. Então, tornar-vos-eis o vosso próprio
libertador.
Para um tal homem não existe o
medo. Ele removeu a causa fundamental do medo. O homem que não repousa sobre
circunstâncias exteriores para seu crescimento interior, domina o espaço
existente entre a separatividade autoconsciente e seu preenchimento. Isto é
libertação, isto é felicidade — não os estágios intermediários, os quais são
apenas ilusões da mente. Espero que me fareis perguntas acerca deste assunto,
porém é ele uma realidade indescritível e viva, que somente pode ser realizada
por vós mesmos. Ela não pode ser transmitida por mim a vós outros. Portanto, a
partir do momento, que estejais apercebidos do propósito da vida, da vossa própria
existência separada, de vossa individualidade autoconsciente, então estareis
lançando uma ponte sobre o abismo, por meio de constante e incessante esforço. Homem feliz é aquele que venceu todo esforço,
porque, no fim de tudo, a verdadeira virtude é espontânea, e isenta de esforço.
Enquanto existir esforço, não estareis ainda libertos. Não existe ainda esse
estado de entendimento, de PURO SER,
de PURA FELICIDADE, e de PURA INTUIÇÃO. Para chegar à isto é
preciso que exista essa intensa vigilância, esse contínuo esforço, esse
ajustamento, essa escolha de que tenho falado; e tudo isto exige a grande
energia da inteligência desperta. Para o homem que deseja realizar este estado
de libertação — de felicidade, de pura
vida e de puro ser — deve existir o constante apercebimento do verdadeiro
merecimento das coisas que o rodeiam. Um tal homem torna-se iluminado, pois não
mais é escravo de coisas que não têm valor.
Krishnamurti em Reunião de Verão, Eerde, 18 de julho de 1930