Krishnamurti: A
indiferença endurecida é a morte, enquanto que a ação pura é vida
expressando-se a si mesma de dentro para fora sem retroceder sobre si mesma. A
indiferença manifesta-se vulgarmente quando não tiverdes reciprocidade para o
vosso afeto; e, assim, vos sentirdes feridos e zangados. Daí passais à
indiferença e vos endureceis. O verdadeiro amor, por outro lado, não leva em
conta gostos e desgostos. E não se
incomoda se não for retribuído. Para, porém, atingirdes isto, tendes que
primeiro passar pelas reações e as perturbações emocionais que daí provêm. A
vida não tolera a indiferença e, portanto, se fordes indiferentes ela não vos
deixará em paz. Sei de muitas pessoas que se apaixonam pela Natureza, pelo fato
de se haverem desgostado com os homens. A Natureza não corresponderá nem diz “nada
tenho que ver convosco”, ao passo que o homem formula contradições. Vencer essas
contradições é difícil e, por isso, vos retirais para o reino do romance.
Pergunta: Qual o significado de vossos dizeres “Todos os Deuses são
falsos”?
Krishnamurti: A partir do
momento que adoreis a um outro “Eu sou”, já não mais é a vida; porém, a partir
do momento que adoreis o “Eu” em todas as coisas, esta entidade deixa de ser
Deus e torna-se Vida. O efeito deste culto externo tem sido o de dividir a
humanidade. Enquanto adorardes algo de super-humano estareis assassinando e
explorando o homem. O homem é Deus, é vida, é tudo. Vós não vos satisfazeis em
contemplar um belo pôr-do-sol em uma bela montanha; quereis pôr lhe um anjo
sentado no cimo; não vos sentis satisfeitos de amar a um homem, quereis verificar
quais as suas qualidades e as suas crenças. A partir do momento que adoreis a um
qualquer ser super-humano como sendo Deus, sereis
cruel para com o homem. Sei que haveis de dizer “não é precisamente assim”,
mas não o é frequentemente? Descei por uma rua qualquer e haveis de ver —
igrejas imensas e homens em lágrimas pelas ruas. Quando chegardes a cultuar o
homem que se acha junto de vós, então tereis compreendido o propósito da vida.
Que importância tem o demonstrardes a alguém o vosso afeto e a vossa devoção?
Que diferença há em que seja a um ser super-humano ou a um homem vulgar? É o afeto e a devoção em si mesmos que têm
importância. Por que ofertar esta beleza amável, qualidades, perfumes,
somente a uns poucos? A apreciação, a beleza, acha-se dentro de vós mesmos e,
para chegar a esta perfeição de entendimento, tendes que vos alterar, tendes
que mudar, que ser constantes em vosso crescimento. Por isso é que necessitais
sentir, não somente a beleza da Natureza, como também a do homem — apesar dessa
deselegância de expressão que denominais “mal” e que condenais.
Pergunta: Haveis falado de autodisciplina nascida do amor da vida por
meio da inspiração. A autodisciplina, para a maioria das pessoas é a do momento
e não nasce da inspiração. Podeis dizer-nos algo mais a respeito?
Krishnamurti: Primeiro
que mais nada, se buscais a inspiração externamente, isso não será disciplina.
A inspiração é o constante despertar da razão para chegar ao seu mais alto
ponto; por outras palavras, é intuição. Portanto, a exigência da disciplina é a
de sempre pensar independentemente e a de vigiar o constante crescimento de
vosso pensamento, por meio da luta e do ajuste. Assim também acontece com a
inspiração que provém da beleza. A beleza acha-se em todas as coisas; o que
varia é a capacidade de percebê-la. Se não estiverdes apaixonados pela vida,
não tereis desperto esta capacidade e, portanto, buscareis vossa inspiração
eternamente. Tende que vos disciplinar a vós próprios, mas a inteira base de
vossa disciplina é errônea. A verdadeira disciplina é diferente disto. A partir
do momento que não tenhais medo, estareis disciplinados; pois que o desejo é
sua própria disciplina. Por exemplo, se eu desejar tornar-me pintor ou poeta
irei adestrar minhas capacidades segundo essas linhas. Se me quiser tornar pintor,
preciso de observar a luz e a sombra, a proporção, a reta perspectiva; se quiser
ser poeta tenho de estudar o ritmo das palavras. Assim disciplinando-me a mim
mesmo, vigio, observo, pois que estarei me relacionando com a vida.
Disciplinando-me a mim mesmo, por estar apaixonado pela vida; é isto que eu
entendo de , pelo desejo, tornar-se a própria pessoa a sua disciplina. Isto é
perfeitamente diferente da disciplina ordinária que brota do medo; a disciplina
do medo jamais pode produzir a consumação. Tudo é muito simples, se apenas vos derdes ao
trabalho de encarar isto de uma maneira natural e sã. A verdadeira disciplina
não é nem repressão nem a indulgência; é a poesia do equilíbrio, a beleza da
experiência, vos houverdes liberto da própria experiência.
Krishnamurti em Acampamento de Ojai, 1930