Pergunta: Recomendais a meditação no sentido de chegar ao entendimento
da verdade?
Krishnamurti: Nada
recomendo. Todas as pessoas do mundo estão egocentradas e, quando vos
purificardes desse egocentrismo, estareis praticando a meditação. Quer o façais
de uma maneira ou de outra, é coisa que não tem muitíssima importância. Se eu
vos dissesse que recomendo a meditação, certamente perguntaríeis: “Dado existir
boa meia dúzia de sistemas, qual devo escolher?”; e se para vós eu escolhesse
um — o que não farei — ficaríeis presos em suas estreias limitações, em sua
mesquinha tirania. Eu próprio, medito ao sair a passeio pelos bosques,
palestrando com outrem, ou escutando música, dirigindo, cavando terra no
jardim, ou lavando alimentos. Vós pensais que por vos retirardes para um
pequeno aposento estais aptos a meditar. Pois é muito mais fácil meditar ao ar
livre onde existe a vida, onde entrais em conflito com ela a todo o instante do
dia. Não mediteis apenas durante meia hora; se fordes sábios, haveis de meditar
durante o dia inteiro, enchendo-o de consideração e pensamento.
Pergunta: Se em vós reconhecermos o Instrutor do Mundo, reconhecendo,
por assim dizer, vossa superior sabedoria, não deveríamos nos esforçar para
praticar aquilo que ensinais mesmo antes de o entendermos plenamente? Se, por
exemplo, dissésseis: “Pulai este poço”, não deveríamos faze-lo sem murmurar,
pelo fato de acreditar em vossa superior sabedoria? Se ficásseis doente e chamásseis
um médico ou cirurgião e ele vos prescrevesse certo curso de tratamento ou
mesmo uma operação, não lhe obedeceríeis, sabendo que ele possui maior
experiência do que vós? Se esperardes até compreende-lo, podereis morrer
durante a espera.
Krishnamurti: Digo-vos
que não podeis colocar em prática aquilo que não compreendeis. Este exemplo do
médico não se adapta ao caso particular, em foco, pois que a doença
da qual sofreis somente pode ser curada por vós mesmos. Vossa doença
pode unicamente ser destruída em virtude da vossa própria luta contra ela. Nenhum
cirurgião, nenhum médico vos pode servir de administrante durante esta luta,
por superior, por cheio de sabedoria que ele seja.
“Se me dissésseis: “pulai para destro deste poço”, não o deveria eu
fazer sem pestanejar, dado o fato de acreditar em vossa superior sabedoria?”
Si isto fizésseis serieis bastante insensatos; e para vós próprios estaríeis
criando uma nova barreira, se aceitásseis minha autoridade sem compreensão. A
quem vos cumpre obedecer, a quem vos cumpre seguir senão a vós próprios?
Podem de lado, se me é permitido
sugerir-vo-lo, a ideia de obedecer, a ideia de seguir sem compreensão. O que eu desejo é despertar em vós o
descontentamento contra a vossa própria falta de entendimento. Se me seguísseis,
faríeis de mim uma muleta, porém eu sou demasiado independente e livre para ser
usado como muleta. Se não compreenderdes começareis a reduzir e a limitar a
verdade e a ajuntar ao redor de vós aqueles que se acham também reduzindo,
limitando, transformando a verdade, e portanto, destruindo-a.
Pergunta: Acreditais que qualquer passo no caminho da evolução, em
qualquer estágio que seja, que venha a ser enunciado por outrem e não faça
parte de vossa plena consciência, tenha valor, qualquer que seja, ou acreditais
que possamos conhecer qualquer coisa em outra região superior do nosso ser da
qual sejamos inconscientes neste mundo e que este conhecimento embora inconscientemente
nos influencie?
Krishnamurti: Ao subirdes
uma montanha, há muitos estágios, muitos abrigos, muitas cabanas no caminho,
umas belas e complicadas, outras toscas e rudes, outras, cultas e refinadas. A
algumas pessoas há de aprazer o demorarem-se em um abrigo, a outras, em outro.
Eu, porém, somente me preocupo em atingir o cimo da montanha. Não digais: Então
isto não tem valor, aquilo outro não tem valor, isto, aquilo não tem
significação? Todos vós interpretais o que eu digo de conformidade com os
vossos preconceitos. Uns, que acreditam em uma coisa, hão de dizer: Sim, ele
admite o que eu mantenho ser a verdade. Outros que acreditam em coisas
diferentes, hão de dizer: Ele não crê. Não, meus amigos, quer um quer outro,
estarão errados. Assim como a montanha límpida e calma exposta ao ar da manhã
não se preocupa com as sombras do vale, assim também a verdade está para além
de todas as sombras. Vós contemplais o cimo da montanha através as nuvens de
vossos preconceitos, através a vossa dependência de autoridades. Digo-vos que
se quiserdes entender a verdade e atingir essa felicidade que provém da
compreensão da verdade, que é preenchimento da vida, não vos deveis deixar
colher pelas sombras que se estendem através a face da montanha.
Krishnamurti, 1930