Pergunta: Na Escócia, muita gente se acha perturbada pelo temor da
morte. Amedrontam-se com ela e com o que sobrevém depois. Pensam que não estão “salvos”
e que por isso correm risco de eterna punição. Como se há de vencer está
atitude mental?
Krishnamurti: Para mim a
morte não é nem um começo nem um fim. A Verdade, a inteireza é
sempre-existente; acha-se para além do tempo e na sua realização, encontra-se a
imortalidade. Esta realização pode somente ser atingida por meio do constante
esforço, pelo auto-apercebimento; porém, em lugar de fazer este esforço para
realizar a inteireza, desejais adia-la. Dizeis: “Terei uma outra oportunidade
em minha próxima vida”. Buscais unificar a vós próprios com o ser amado para
além do tumulo; isto é o culto dos mortos antes que o dos vivos, a preocupação
dos que se acham isolados. Por vos faltar a vontade para fazerdes o esforço
necessário, quereis adiá-lo e por isso voltai-vos para a reencarnação. A ideia
de que sois uma entidade separada é ilusão. No vos apegardes a essa ilusão, no
anseio pela sua perpetuação e no vos buscardes identificar a vós próprios, após
a morte, com o passado, prolongais essa consciência da separação — o ego —
indefinidamente e imaginais, que por esse prolongamento, adquirireis cada vez
maior número de qualidades e por esse modo realizais a Verdade mais plenamente.
Todo o ser humano que acredita na reencarnação pensa que sua “eu-entidade”
progredirá através do tempo, adquirindo várias qualidades até chegar a
tornar-se perfeita. É esta a teoria hindu recentemente popularizada no
Ocidente. A Realidade acha-se sempre presente, portanto não se pode progredir
em direção a ela. Aquilo que denominamos ego, pelo fato de ser separado em nós,
conhecemos como consciência separada; é, porém, uma ilusão.
Uma ilusão, por muito que a
amplieis, por muito que a ela vos apegueis, a glorifiqueis, a defendais, ficará
sendo sempre ilusão. Aquilo que é ilusão e, portanto, imperfeito, não pode ser
tornado perfeito, por muito que o expandais pelo tempo afora. Alguns de meus amigos
Hindús hão de dizer: “temos nos apegado a esta ideia da reencarnação por dois
ou três mil anos e vindes agora apaga-la por falsa e irreal; portanto, não vos
daremos ouvidos”. Provavelmente haveis de pensar a mesma coisa. Porém a morte
sempre há de existir. Todos nós temos que decair e fenecer; porém vós podeis
alcançar a esta liberdade da consciência, esta realização do ser completo,
agora, pois que ele sempre está presente. Portanto, de nada serve perguntar o
que vos acontecerá após a morte. Ao fazer esta pergunta, ela já demonstra que
não andais à busca da Verdade, porém sim meramente prolongando o “eu”. Não vos
apercebeis de que o mero prolongamento de uma ilusão jamais pode produzir
plenitude de compreensão que reside apenas na realização do presente, no qual
se encontra consubstanciada toda a existência. Por vos tornardes plenamente
conscientes de todos os vossos pensamentos, ações, ilusões e por transcenderdes
todas as qualidades que pertencem à entidade separada que denominais “eu”, a
Verdade se revela. Portanto, a coisa importante não é o que vos vai acontecer
quando morrerdes, porém sim, a realização dessa liberdade de consciência que é
imortalidade. Então a more terá perdido seu significado. Isto pode não vos
satisfazer. Talvez quisésseis antes que eu vos dissesse que haveis de viver a
vossa vida futura em melhores condições, com melhores oportunidades.
Aquilo que é eterno em toda a sua
inteireza, em sua plenitude, em sua felicidade, está sempre presente em tudo; e
somente na realização disto se encontra a segurança da imortalidade. É muito
melhor transcender a morte do que saber o que vos irá acontecer na próxima
vida, oi o que acontecerá quando morrerdes. Uma coisa é positiva, a outra é
apenas uma negação para o futuro. A ideia de que alguma outra pessoa vos pode
salvar, é irreal; pois a Verdade, essa Vida que é eterna, está em vós mesmos,
integra, completa, e ninguém vos pode conduzir a essa inteireza exceto vós
próprios, mediante o vosso próprio esforço, pelo vosso constante vigiar e
apercebimento. Pelo fato de ser isto difícil, quereis que alguma outra pessoa
venha e o faça por vós. E por isso é que tendes religiões, ritos, culto,
preces, em virtude dos quais surgem a confusão e o conflito.
Krishnamurti, Escócia, 1931