Pergunta: Cristo nos ensinou a olhar para Deus como um Pai. Ele nos deu
uma prece dirigida a esse Pai. Como então, podereis levar os cristãos a
realizar que “não existe Deus, outro que não o homem purificado e enobrecido?”
Krishnamurti: Que faríeis
a um homem que se encontrasse fechado à chave em uma casa? Bater-lhe-ieis à
porta. Se ele tiver ouvidos, escutará as pancadas; se, porém, seus ouvidos
estiverem cheios de outros sons, ele não vos escutará. É tudo tão simples se o
encarardes sob o ponto de vista da liberdade e do viver com a vida eternamente
e não na segregação da vida, por bela, por gloriosa que seja essa segregação!
Pergunta: Acreditais em Deus? Se assim é, em que forma de Deus? Haveis visto
Deus? Podeis mostrar-me Deus?
Krishnamurti: A crença é
desnecessária para uma vida limpa e nobre. Se, porém, me perguntais: “haveis visto
a Deus?”, eu vos respondo “sim”, porque vos hei visto a vós próprios, porque
hei visto as árvores e as hastes de erva. Quereis encontrar Deus em certo lugar
distante, para além das montanhas em um lugar oculto. Deus está onde toda
pessoa, onde toda coisa móvel ou imóvel se encontrar. Se chegardes a este
estágio de compreensão da vida, não mais fareis perguntas. Essas coisas são
desnecessárias. Elas não resolvem o problema da vida, o assunto da vossa tristeza,
do prazer ou de todas essas inúmeras dificuldades que vos defrontam.
Pergunta: Se não existe outro Deus que não o homem tornado perfeito,
como podeis explicar o instinto de toda a mãe que é o de orar a certo Ser para
que salve e proteja seu filho quando ele se encontrar em perigo, dado ser ela
impotente para protegê-lo, visto ser um Deus ainda imperfeito? Será este
instinto apenas uma superstição grosseira, ou existe alguma realidade por
detrás dele?
Krishnamurti: Quando meu
irmão estava doente, eu costumava ficar acordado durante a noite, olhando para
as estrela que cruzavam o horizonte, seguindo seu curso, e ponderava se não
poderiam elas salvar a vida a meu irmão. Contemplava também a sombra de todas
as árvores durante o dia, interrogando-as sobre se não lhes seria possível protege-lo.
Elas, porém, não o protegeram. E verifiquei, então, que a vida é uma só, posto que tenha muitas expressões, e que
enquanto eu estivesse separado de meu irmão, dessa vida que nele estava, eu
almejava pelo passageiro conforto, pelas sombras passageiras do entendimento,
orava e interrogava a todos os transeuntes. A partir, porém, do momento em que
verifiquei que onde quer que exista vida ela é uma, posto exista uma multidão
de expressões dessa mesma vida, cessei de me afligir. A tristeza dá o perfume
da compreensão. Para simpatizar com grandeza e para amar com plenitude é
preciso experimentar a tristeza; quer ela venha através a morte de um irmão ou
devido à tristeza de um ser amado, é coisa de pouquíssima importância. Não
penseis ser isto uma maneira cruel e dura de encarar a vida; não é. É uma
maneira simples, portanto, divina
Pergunta: Não será aquilo que chamais vida apenas um outro nome dado a
Deus?
Krishnamurti: Se vos
apraz usar a palavra Deus, fazei-o. Há muitas pessoas no mundo que apresentam
objeções à palavra Deus, por alimentarem a ideia de que a maioria dos Deuses no
mundo são criados pelos homens, em consequência de suas próprias limitações. Um
Deus assim é de bastante conveniência. Pertence à nossa bandeira e ao nosso
país, à nossa particular religião e à nossa crença particular. É nosso protetor
em especial e o destruidor dos outros. “Vida” é, porém, termo muito mais livre;
dele não se tem abusado. O preenchimento da vida é o atingimento da Divindade.
Muita gente imagina que Deus se ache longe, num trovão. Encaram-no como um
auxiliar externo, e por esse modo colocam uma limitação sobre a vida. Se,
porém, tiverdes a vida como sendo Deus e vos lembrardes de que a divindade, a
perfeição dessa mesma vida reside em vós próprios, então estareis mais aptos a
compreender a discórdia, a luta, a dor e a tristeza, e sereis capazes de vos
sustentar por vós mesmos sem depender de outrem para vosso conforto.
Krishnamurti, 1930