O que tenho estado a vos dizer é
aplicável a todo o ser humano e toca a toda a fase da vida humana; para que,
porém, se possa ser capaz de compreender devidamente, é preciso não examinar
simplesmente o significado das palavras; porém, esforçar-se para compreender o
significado da essência. Podeis tornar as palavras barreiras e criar
contradições por meio delas.
A Verdade não é uma realidade
progressiva; porém sim, uma inteireza por si mesma, a qual pode somente ser
realizada por meio do esforço individual. Para sustentar este esforço constante,
tendes que examinar e estabelecer equilíbrio em todos os vossos pensamentos,
emoções e atos. Esforçai-vos por fazer face a vós mesmos com veracidade, sem
transigir convosco mesmos.
Se quiserdes compreender, tendes
que começar por ser honestos e extremados, em vosso juízo acerca de vós mesmos.
Extremados não nos opostos, porém sim, no libertar-se dos opostos, que é harmonia.
Tomai, por exemplo, o desejo de possuir. O oposto a posse é a renúncia. Se,
porém, fordes extremados, isto é, desapegados, não terá importância o fato de
possuirdes ou não. Isto exige honestidade de pensar, coragem de posse ou de
renúncia. A mente é passível de grandes decepções e eis porque eu digo que
necessitais de ser honestos e portanto extremados em vosso julgamento acerca de
vós mesmos.
A maior parte das pessoas estão
sobrecarregadas pelo desejo de possuir, sejam pessoas, bens ou qualidades. Este
desejo de possuir é expressão do egoísmo sistemático. A felicidade reside no
extremo, porém, no extremo do desapego. O ser-se absolutamente desapegado exige
grande esforço de propósito, continuo auto-ajuste. É essencial o ser extremado,
porém extremado em equilíbrio, não extremado numa direção especial.
Muitas pessoas pensam que a
Verdade se realiza por afastar-se do mundo. O homem é colhido pela ação, e
busca refúgio evadindo-se da vida para o romantismo, a imaginação e a ilusão.
No entanto, estar em ação e ao mesmo tempo possuir liberdade de pensamento, é o
que constitui a verdadeira solidão; solidão, não a do tédio, não a do temor,
porém a solidão da alegria real. Nesta solidão aprendeis a ajustar vossos
vários conflitos de emoção e pensamento, de modo a serdes capazes de resistir
ao constante efeito da ação. Quando houverdes conseguido esta solidão interior,
seguir-se-á a cessação dos reflexos, que conduz à contemplação sem esforço. Dessa
contemplação provém a harmonia da razão e do amor, e desta segue-se o
apercebimento, a intuição que é constante, na qual não existe nem separação,
nem unidade. É esta a libertação do coração e da mente.
Krishnamurti, Escócia, 14 de março de 1931