Para que o pleno significado de
minhas respostas a estas perguntas possa ser compreendido, preciso apresentar
um esboço geral de minhas ideias. Por consequência, vou explicar ligeiramente o
que para mim constitui a Realidade: e deixai que diga que, se não
compreenderdes ou não concordardes com aquilo que digo, por favor, não o tomeis
por mera aceitação; não coloqueis a minha pessoa no lugar devido ao
entendimento, pois que a compreensão é vital para se viver. Se quiserdes realizar
a Verdade, tendes que a viver, e não meramente acompanhar a uma outra pessoa.
Não tenho o desejo de que qualquer de vós me siga. Minha intensão é a de que
todos vós chegueis a compreender.
Todos buscam a felicidade, e esta
somente pode existir quando houver plena compreensão do que seja a Realidade.
Felicidade é Realidade. A partir do momento que compreendais que a vida não
consiste meramente de um processo de acumulo de qualidades, ou de busca de
conforto, de esperanças a serem realizadas de futuro, então cada vez mais vos
tornareis conscientes de vossos pensamentos e sentimentos, e, portanto, das
vossas ações. Estai começando a realizar vossa própria consciência, vossa
própria individualidade e, daí, estais começando a vos desapegar do mecanismo
da civilização com sua dura combatividade. Estando desapegados, então, sereis
capazes de eliminar todas as excrescências e qualidades que impedem a plena
realização da felicidade, que é a Verdade.
As qualidades, com seus opostos,
virtudes e pecados, bem e mal, pertencem todas à consciência de si. Quando
tenho desejo de obter a felicidade, digo que necessito possuir certo conjunto
de qualidades e atributos e, portanto, vou-me à colheita dessas qualidades. Digo
então “isto é mau”, “isto é bom”, e, consequentemente, dá-se um conflito
continuo, um intérmino contraste. Porém, somente o homem que sobrepuja os
contrastes é feliz, pois que a verdade é a cessação dos conflitos.
Haveis de dizer, “Que tem isto
que ver com a minha vida diária? Tornai isto prático”. É o desejo do homem,
pedir que tudo lhe seja tornado prático, pois que por esse meio poderá evitar
fazer esforço na direção da compreensão.
A verdade é prática embora a não
possais tornar prática para outrem. Podeis, porém, criar em vós a inteligência
— que é a escolha do essencial — e por esse meio vos tornar conscientes de
vossas ações e sentimentos. Pela eliminação de todas as qualidades e de todas
as barreiras que criam conflito dentro de vós mesmos, é como realizareis essa
felicidade que é a Verdade.
Para muitas pessoas que aqui se
acham, o que digo não será mais que meras palavras, e ficará como meras
palavras, enquanto o encararem com indiferença, enquanto o tiverem apenas como
representando algumas concepções filosóficas. Digo que realizei a Verdade; e
não pretendo por isso que me sigais, mas apenas que vivais essa Verdade. Estais
aqui para compreender, para tentar penetrar o que eu penso, o que para mim é a
Realidade, essa absoluta liberdade do ser interiormente completo. Se alimentais
o intenso desejo de compreender, então expulsai todos os julgamentos, opiniões
e ideias superficiais. Para entender o pleno significado seja do que for,
tendes que vos acercar frescos, ansiosos, com a mente plástica, e com essa
inteligência que vê o essencial e não meramente o superficial.
Pergunta: Atirei fora com todos os apoios religiosos e encontrei minha
felicidade em trabalhar pela humanidade, porém não me sinto satisfeito a ponto
de julgar que seja isto a felicidade que procuro. Podeis indicar-me o passo
seguinte a dar?
Krishnamurti: A verdade é
uma realização interior, que se alcança por meio do esforço individual, a qual
não pode ser substituída pelo serviço ou trabalho. A ideia de que podereis
realizar a Verdade pela ilusão de prestardes auxílio, é falsa. No buscar a
Verdade, haveis de, naturalmente, prestar auxílio, assim como uma flor a todos
dá seu perfume. A flor, contudo, não se preocupa a pensar: “estarei eu dando
perfume ao mundo?” Ela o está e,
portanto, possui a grandeza, a lindeza, a perfeição do existir. Uma vez que
tenhais conseguido atingir esse ser
completo interno, naturalmente ajudareis. Então, não mais criareis
barreiras. Não criareis gaiolas para encerrar o homem. Pelo fato de vós
próprios serdes livres, destruireis todas as gaiolas que vos cercarem.
Uma vez que tenhais alcançado
êxito, por pouco que seja, na compreensão da Realidade, estareis ajudando os
homens e não institucionalizando a verdade.
Krishnamurti em Londres, 1930