Pergunta: Falais dos desejos de posse inerentes ao selvagem e do desejo
que o homem culto tem pela liberdade e dizeis que entre os dois extremos estão
todos os graus da evolução. Um estudante escreve a respeito de vossos ensinos
dizendo que a Verdade está por toda a parte e é isenta do tempo. Em face desta
concepção, nossas ideias de evolução e de desenvolvimento são varridas. Podeis
explicar-nos um pouco mais este paradoxo?
Krishnamurti: Em tudo e
em todos os homens existe a totalidade, a vida como um todo completo. Isto é para
a mim a Verdade. Esta completude não pode progredir. É somente o incompleto que
progredi. Porém, esta aquisição de qualidades, de atributos, de virtudes, não
conduz à Realidade, pois que a Realidade sempre está presente, plena em tudo.
Por completude entendo eu o libertar-se
da consciência da individualidade. Essa completude que existe em tudo não pode
progredir: ela é absoluta. É fútil o esforço para as aquisições; se, porém,
puderdes perceber que a Verdade, a Felicidade existe em tudo e que a realização
da Verdade somente se consegue pela eliminação, então manifestar-se-á o
entendimento que é isento de tempo. Isto não é negação. A maioria das pessoas
se afligem por serem como nada. Chama ser positivo quando fazem esforço e
denominam esse esforço virtude. Ora, desde que haja esforço, já não há virtude.
A virtude é isenta de esforço. Quando fordes como nada, então sereis tudo, não
por vos engrandecerdes, não pode dar importância ao “Eu”, à personalidade,
porém sim, pelo apagamento contínuo dessa consciência que cria força, a cobiça,
a inveja, os cuidados da posse, a vaidade, o temor e a paixão. Por estardes de
contínuo auto-recolhidos, vireis a tornar-vos plenamente conscientes e é então
que libertareis a mente e o coração e conhecereis a harmonia que é o ser
completo.
Pergunta: Haveis dito que uma das maneiras de alcançar o puro afeto
mediante o qual se pode aprender rapidamente através da experiência dos outros,
é a aceitação da dor. Podereis, por favor, dizer-nos algo mais a cerca disto?
Krishnamurti: Encarais a
alegria e a tristeza como sendo coisas diferentes. Dais particular importância a
alegria porque ela vos deleita e evitais a tristeza porque vos desagrada. Porém
o homem, que busca a Verdade, equilibra-se entre as duas; não pede a alegria
nem evita a tristeza. A tristeza existe enquanto houver a consciência da
individualidade; isto é, enquanto houver pensamento do “tu” e do “eu” e do “meu”.
Por amoldar este instinto à razão, mediante a autodisciplina, é que essa
consciência que cria a tristeza é transcendida.
Pergunta: Dizeis que a evolução, como processo de realizar a Verdade, é
falsa e irreal. Não haveis vós, porém, chegado à realização da Verdade por um
processo de desenvolvimento, de entendimento e experiência cada vez maiores e
não será isto evolução?
Krishnamurti: Por meio do
acumulo de experiências é como pensais realizar a Verdade. Uma experiência que
crie em vossa mente, seja um grande amor, seja o desejo de compreensão, que
abale as próprias bases de vossa consciência individual, é verdadeira
experiência. Uma experiência assim contém o inteiro significado da vida. Uma
experiência de amor ou de morte contém o conjunto da vida; para, porém,
compreender o pleno significado dessa experiência, tendes que estar
concentrados em auto-recolhimento.
Tomai como exemplo a experiência
do amor. Nesta existe o desejo de possuir, existe a inveja, o ciúme, a solidão,
e também a alegria da união. Por estar concentrado, observando de contínuo, refletindo,
é que podeis realizar o pleno significado dessa única experiência particular, e
por esta, tereis compreendido, o conjunto de toda a experiência.
Ou então tomai a morte como ponto
de comparação. Na morte há tristeza, há dor, há solidão aflitiva, há o desejo
de ter simpatia e amor. É esta uma das mais comuns experiências da vida. Todos
a realizam. Em lugar de colher o significado dela, a plena lição que ela tem
para vos dar, buscais o consolo. Buscais os guias para o plano astral, desejais
estar ali juntos, com os seres amados. Tendes esperança do seu renascimento.
Tudo isto não é mais que o adiamento de vossos esforços no sentido de libertar
o eu-consciência. A batalha para ajustar a solidão e o amor não se ganha por nos
lançarmos para o além, para outros reinos e sim pelo constante apercebimento de
si próprio.
Assim, pois, uma experiência pode
abrir-vos o pleno significado da completude.
Isto não é um mero raciocínio
intelectual. Falo de experiências pessoais. Quando estais prisioneiros de uma
grande tristeza, solitários em virtude da morte de alguém, não vos satisfazeis
com os consolos transitórios, sejam eles para o futuro ou pertençam ao passado;
quereis encontrar a solução imediata desse isolamento e por esse modo vencer a
tristeza.
Para vencer a tristeza tendes que
realizar a completude interior do ser, por estar em reflexão durante o dia
inteiro e não pelo sentimentalismo nem por rechaçar todas aquelas coisas que
vos causam temor para o fundo de vós mesmos. Esta completude que existe em
todas as coisas torna-se então real e nela somente é que existe a felicidade,
não nos prazeres transitórios.
Krishnamurti, Londres, 1930